sexta-feira, 21 de abril de 2023

Violação de domicílio X flagrante de tráfico de drogas

O crime de violação de domicílio está previsto no artigo 150 do Código Penal brasileiro. De acordo com esse dispositivo legal, é considerado crime entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, em casa alheia ou em suas dependências, sem a permissão do proprietário, do possuidor ou de quem de direito. A pena prevista para esse crime é de detenção, de um a três meses, ou multa.

Para a configuração do crime de violação de domicílio, é necessário que o agente tenha consciência de que está entrando ou permanecendo em local alheio sem a devida autorização (trata-se de um crime doloso). Assim, se uma pessoa se engana quanto à localização de uma casa e entra sem querer na propriedade de outra pessoa, por exemplo, não comete o crime de violação de domicílio.

Vale lembrar que o crime de violação de domicílio é diferente do crime de furto ou roubo, pois não é necessário que o agente tenha a intenção de subtrair algo da casa invadida. O simples fato de entrar ou permanecer em um local alheio sem a devida autorização já configura o crime.

Existem algumas situações em que a entrada ou permanência em domicílio alheio sem a devida autorização pode ser considerada legal. É o caso, por exemplo, de policiais que entram em uma casa com mandado judicial ou em situações de flagrante delito. Além disso, há exceções previstas em lei para casos em que a entrada é justificada, como no caso de socorro a pessoa em perigo ou para prestar auxílio a quem pede socorro.

Em resumo, o crime de violação de domicílio é considerado uma infração penal no direito penal brasileiro. Ele ocorre quando alguém entra ou permanece clandestina ou astuciosamente em casa alheia ou em suas dependências, sem a permissão do proprietário ou de quem de direito. A pena prevista para esse crime é de detenção ou multa. Importante salientar que a Carta Magna protege o direito à inviolabilidade de domicílio no seu art. 5º, XI conforme: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.

Neste sentido, o delito em estudo não deve ser interpretado apenas observando-se o texto da lei de forma simples e pura. Atualmente os tribunais vêm traduzindo uma miríade de situações de forma singularizada conforme o caso concreto e correntes doutrinárias diversas. Vejamos alguns exemplos de julgados:

 

STJ: AgRg no RHC 165771 / BA

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS
2022/0165867-9

Data: 17/04/2023

Neste caso a ação policial teve seu início antes da entrada na residência. Os policiais realizando patrulhamento de rotina no local teriam notado o suspeito em frente à casa com uma bolsa na mão. Ao avistar os policiais o suspeito teria empreendido fuga para o interior da residência. O fato levantou suspeitas e os policiais perseguiram o agente abordando ele quando já se encontrava dentro da casa. Na ocasião foram encontradas na bolsa que o suspeito portava drogas, a arma e munições.

No julgado em tela foi interpretado que a “constatação da existência de indícios prévios da prática da traficância autoriza a atuação policial, não havendo falar em nulidade das provas produzidas por ausência de mandado judicial na entrada da residência do agravante.”

 

AgRg no HC 744310 / GO

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS 2022/0156666-1

Data do julgamento: 17/04/2023

Nesta decisão a quinta turma do STJ entendeu que não houve violação de domicílio em uma situação na qual após informações prévias sobre a ocorrência de traficância de drogas em determinado endereço os policiais foram verificar a situação e abordaram um corréu na rua, localizando drogas em sua posse. O suspeito indicou que as drogas teriam sido adquiridas de outro suspeito. Diante do exposto os policiais adentraram no imóvel indicado e apreenderam drogas ilícitas, além de uma arma de fogo e munições de uso permitido. Também foi encontrado pelos agentes da lei uma balança de precisão, outros materiais e dinheiro.

 

AgRg no HC 753450 / SP

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS 2022/0202877-5

Data do julgamento: 27/03/2023

Na situação apresentada foi reconhecida a justa causa para o ingresso dos policiais no domicílio do réu uma vez que havia uma denúncia anônima robusta e precisa sobre a ocorrência de tráfico de drogas e, ao chegar no local dos fatos, os policiais sentiram um forte odor característico de maconha. Os agentes do Estado tocaram a campainha sendo atendidos por um corréu que autorizou a entrada deles. No local foi encontrado estufas para plantação e cultivo de maconha com plantas de maconha, além de vegetais de maconha, com folhas, caules e frutos.

 

EDcl no AgRg nos EDcl no HC 561988 / PR

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO HABEAS CORPUS 2020/0037656-2

Data do julgamento: 14/09/2021

Faz referência ao HC n. 598.051/SP, que considerou ilegal o ingresso policial forçado em domicílio que resultou na apreensão de material apto a configurar o crime de tráfico de drogas vez que os policiais mediante denúncias anônimas sobre a presença de plantação de maconha em local, observaram a residência do suspeito por um imóvel vizinho onde foi possível ver previamente uma estufa. A decisão entendeu que os próprios agentes adentraram em uma residência confinante para verificar a denúncia no local alvo não sendo demonstrado a prévia autorização dos proprietários havendo nulidade de todos os atos a posteriori, em razão da teoria dos frutos da árvore envenenada.

 

O estudo não exaure o tema ainda devendo ser esclarecido que existem entendimentos controversos na própria jurisprudência dos tribunais superiores devendo ser analisado o caso concreto. Em relação à possibilidade de violação da autorização do domicílio por policiais em caso de denúncia de tráfico de drogas no local, é importante destacar que a entrada na residência sem autorização é permitida em casos excepcionais, como o flagrante delito ou com autorização judicial.

No caso específico de denúncias de tráfico de drogas, a legislação brasileira permite que os policiais ingressem na residência sem autorização do proprietário, desde que existam indícios suficientes de que a prática criminosa está ocorrendo no local e que a entrada seja estritamente necessária para a realização da investigação.

No entanto, é importante ressaltar que essa medida deve ser adotada com cautela e observância dos princípios constitucionais, como o respeito à intimidade, privacidade e inviolabilidade do domicílio. Os policiais devem apresentar justificativa plausível para a entrada, assim como respeitar os direitos dos moradores, não agindo de forma violenta ou abusiva.

Portanto, conclui-se que a entrada em domicílio sem autorização em caso de denúncia de tráfico de drogas deve ser realizada com base em elementos que indiquem a prática criminosa, e sempre com respeito aos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.


domingo, 19 de março de 2023



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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Princípios vinculados à presunção de inocência



Área do Direito: Direito Processual Penal


SUMÁRIO : Introdução. 1. Precedentes históricos.  2.Algumas considerações 3. Princípios constitucionais ligados à presunção de inocência. 4. Princípios do processo penal ligados à presunção de inocência. Conclusão. Referências


1 INTRODUÇÃO


Analisando a etimologia da palavra princípio, verificamos vários significados tais como: preceito, regra ou lei, fonte ou causa de uma ação (FERREIRA, 2009).
Conforme leciona Nucci (2009), princípios constitucionais são valores eleitos pelo constituinte, inseridos no texto constitucional, configurando os alicerces e as linhas mestras das instituições, dando unicidade ao sistema normativo. Desta maneira permitindo que a integração e interpretação dos regulamentos jurídicos sejam realizadas de forma racional.
Nucci (2009) ainda define em sentido material os direitos fundamentais como direitos supra estatais, inerentes à dignidade da pessoa humana e reconhecidos pela maioria das nações. Na atualidade, formam o cerne das Declarações Universais dos Direitos do Homem, seja a de 1789 (França) ou a da ONU (1948), mas, também, todos os que figuram em uma miríade de tratados celebrados e assinados pela comunidade internacional.


2 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES


Correia (2009) define que do princípio do Estado de direito, pode se deduzir sem dúvida, a exigência de um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização do direito. Assim, como a realização do direito é determinada pela adequação jurídica do procedimento e do processo, a Constituição contém alguns princípios e normas designados por garantias gerais de procedimento e de processo.
Já Cretela Jr. ("apud" CORREIA, 2009, p.23) ensina que "princípio é uma proposição que se põe na base das ciências, informando essas ciências” (CORREIA, 2009, p.23).
Azevedo (2011) define os princípios como fontes formais mediatas do direito que constituem orientações do pensamento jurídico e premissas éticas que inspiram a elaboração e interpretação das normas. Os princípios gerais não podem declarar a existência de algum crime em virtude do princípio da reserva legal. Mas são admitidos em matéria penal, como por exemplo, para se reconhecer uma causa supralegal de excludente de ilicitude.
Noutro giro, assim leciona Batisti:

Como se sabe, há uma intensa e polífica literatura sobre os direitos fundamentais e, por tal razão, um sem número de formas de abordagem, incluindo-se em especial, a observação de que a ordem jurídica disciplina de uma forma a liberdade individual, e de forma distinta, os direitos e liberdades institucionais, Assim estabelece-se por exemplo:
- Diferença entre princípio e regra: regras especificam os critérios de agir, como e o que fazer; princípios não dizem claramente, mas estabelecem critérios para situações que venham a surgir, surgindo seu significado operativo somente concretamente.
-  Distinção entre direitos originários e derivados, em que os primeiros sejam vinculados ao homem em sua liberdade, vinculados à pessoa,invioláveis em seu núcleo essencial. Os derivados são os outros direitos fundamentais propostos nas Constituições, apesar de não se relacionarem diretamente com a democracia, sendo assegurados na medida do significado que as Constituições assinalem, desfrutando portanto de um status de inviolabilidade particular, como garantia do instituto.. Como se vê, ambos podem ser considerados invioláveis.
- A indicação de liberdade, direito ou garantia que requer complemento de um instituto, para poder realizar-se, o que determina que tal direito não se integre entre os direitos, liberdades e garantias, conquanto, até pelo status constitucional, seja um direito fundamental, na mesma linha, portanto, da distinção entre direitos originários e derivados.(BATISTI, 2009, p.12)(grifo no original)

Com objetivo de melhor entender o instituto constitucional da presunção de inocência, é importante ser realizado um breve estudo acerca de determinados princípios intimamente relacionados ao tema deste estudo. Dessa maneira, será possível, através de uma análise sistemática dos institutos, uma melhor compreensão do tema em pauta.
Ao longo de nosso processo de evolução, foi consolidada na teoria do Direito, a idéia de que as normas são um gênero, o qual comporta duas grandes espécies de classificações em meio a outras: as regras e os princípios. A distinção entre essas duas categorias e a atribuição de normatividade aos princípios são elementos essenciais do pensamento jurídico contemporâneo. Os princípios, notadamente os constitucionais, são a porta pela qual os valores atravessam do plano ético para o jurídico (BARROSO, 2010).
Cada ramo do direito possui princípios próprios, que informam o sistema como um todo, podendo estar previstos de forma expressa na lei ou serem implícitos, isto é, resultar da conjugação de múltiplos dispositivos legais, de acordo com a cultura jurídica que é formada com o passar dos anos de estudo de uma determinada matéria (NUCCI, 2009).
O presente estudo refere-se a uma princípio constitucional intimamente ligado ao processo penal propriamente dito, norteando a aplicação do direito material penal na busca do aperfeiçoamento da justiça penal brasileira. Nesse sentido há de se fazer um breve estudo acerca de princípios constitucionais que disciplinam a aplicação da lei penal no caso concreto.  
Como afirma Nucci (2009) na Constituição Federal encontramos a maioria dos princípios que governam o processo penal brasileiro. Sendo alguns implícitos e outros explícitos.
Há princípios que dão origem a outros, e alguns que constituem autênticas garantias humanas fundamentais (NUCCI, 2009).
Aqui serão identificados apenas alguns instrumentos constitucionais limitadores do poder estatal dentre os existentes no texto da Lei Maior. O objetivo será demonstrar de forma mais didática o contexto onde está inserido o princípio da presunção de inocência.   


3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS LIGADOS À PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA


3.1 Princípio da dignidade da pessoa humana

Pode-se definir que a dignidade da pessoa humana é princípio central do sistema jurídico. Desta maneira, sendo significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso país. E de modo expressivo traduz um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem democrática e republicana consagrada pelo sistema de direito constitucional e positivo (NERY JÚNIOR e NERY, 2009).
No artigo primeiro do texto da Constituição Federal de 1988, o princípio da dignidade da pessoa humana tem seu local de destaque como fundamento da República Federativa do Brasil enquanto Estado Democrático de Direito. Nota-se a importância deste fundamento como um garantidor da aplicação do direito em sua essência.
Com a Constituição Federal de 1988, a dignidade da pessoa humana foi elevada à categoria de valor fundamental dentro do sistema de direitos fundamentais. É elemento inerente ao ser humano e envolve a promoção do desenvolvimento livre e pleno da personalidade individual, projetando-se culturalmente (PRADO, 2008).
No texto da Constituição Federal de 1.988 a dignidade da pessoa humana é um fundamento da República. E enquanto um atributo de todo e qualquer ser humano, se constitui em valor constitucional supremo, ou seja, é um núcleo axiológico em torno do qual gravitam os demais direitos fundamentais (AMORIM, 2010).

3.2 Princípio da ampla defesa

Ao réu é concedido o direito de usar dos mais amplos e extensos meios para se defender da imputação realizada pela acusação (NUCCI, 2009).
Como pode ser verificado no artigo 5º, LV da Constituição Federal:

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Segundo Capez (2009), a ampla defesa implica o dever de o Estado proporcionar a todo acusado a mais completa defesa, seja da forma pessoal chamada de autodefesa, ou a defesa técnica que é efetuada pelo defensor, e o ver de prestar a assistência jurídica de forma integral e gratuita aos necessitados (CF, art. 5º, LXXIV). Do referido princípio também decorre a obrigatoriedade de se observar a ordem natural do processo. Deste modo a defesa se manifestando sempre em ultimo lugar.
Nos processos julgados pelo Tribunal do Júri, mais que ampla, a defesa atinge a plenitude com fulcro no artigo 5º, XXXVIII, "a", da constituição Federal.

3.3 Princípio do contraditório


O princípio do contraditório consubstancia-se na velha parêmia audiatur et altera pars- a parte contrária deve ser ouvida. Traduz a ideia de que a defesa tem o direito de pronunciar sobre tudo quanto for produzido em juízo pela parte contrária. Já se disse: a todo ato produzido por uma das partes caberá igual direito da outra parte de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que lhe convenha, ou, ainda, de dar uma interpretação jurídica diversa daquela apresentada pela parte ex adversa (TOURINHO FILHO, 2009, p.21).
Trata-se de princípio previsto em conjunto com o direito de ampla defesa, nos termos do artigo 5º, LV da Constituição Federal, posto que ambos são consectários imediatos do devido processo legal, e como pode ser verificado, importantíssimo à administração da justiça.

3.4 Princípio do devido processo legal

Conforme artigo 5º, LIV, da Constituição Federal:

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

Conforme leciona Capez (2009), esse princípio consiste em assegurar à pessoa o direito de não ser privada de sua liberdade e de seus bens sem a garantia de um processo desenvolvido na forma em que é estabelecido por lei.
Cumpre salientar que o devido processo legal é a base de um tripé formado pelos princípios do contraditório, da ampla defesa e do juiz natural, este último será visto em seguida.
Conforme ensinamentos de Correia (2009), pode se afirmar que o devido processo legal, ou due process of law, concebido para a maioria das relações jurídicas do século passado, que eram centradas no individualismo, poderia ser revisto, preservando-se a existência do juiz imparcial, o acesso à justiça e ao contraditório. Acredita-se desse modo, em que o  due process of law, em seu aspecto contingente, deve sofrer adaptação a uma nova realidade, qual seja, o advento das relações coletivas e de uma nova concepção do poder constitucional de ação. Desta forma, para se assegurar o contraditório, a imparcialidade do juiz e o aceso ao Judiciário, novas técnicas foram desenvolvidas.
Neste sentido, pode ser observado em análise ao devido processo legal como garantia constitucional, uma tendência evolutiva dos princípios de acordo com as necessidades da sociedade em um determinado espaço de tempo como forma de aplicação da justiça.

3.5 Princípio do juiz natural

Nucci (2009), a respeito do princípio do juiz natural, leciona:

O estado, na persecução penal, deve assegurar às partes, para julgar a causa, a escolha de um juiz previamente designado por lei e de acordo com as normas constitucionais, (art. 5º, LIII,CF: ”Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”). Evita-se com isso o juízo ou tribunal de exceção (art. 5º, XXXVII,CF), que seria a escolha do magistrado encarregado de analisar determinado caso, após a ocorrência do crime e conforme as características de quem será julgado, afastando-se dos critérios legais anteriormente estabelecidos.(NUCCI, 2009, p.85)

Conforme Capez (2009), tal princípio significa que todos têm garantia constitucional de serem submetidos a um julgamento somente por órgão do Poder Judiciário, dotados de todas as garantias institucionais previstas na constituição Federal.

3.6 Princípio da lesividade

                   Segundo o princípio da lesividade ou ofensividade (nullum crimen sine iniuria), somente as condutas que causam lesão caracterizada por um dano efetivo ou potencial a um bem jurídico relevante e de terceiro podem estar sujeitas ao direito penal. Neste sentido somente haverá crime se a conduta for apta a ofender determinado bem jurídico (AZEVEDO, 2011).
                   De acordo com esse princípio  não sendo colocando em risco bem jurídico de outrem deve ser reconhecida a ausência de lesividade ao bem jurídico protegido pela lei penal. Neste prisma, será inaceitável a intervenção da lei penal. Observe o entendimento fixado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais acerca de julgamento em conduta a princípio tipificada no artigo 14 da lei 10.826 de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento):

PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO - ART. 14, DA LEI Nº 10.826/03 - CRIME DE PERIGO ABSTRATO - INCONSTITUCIONALIDADE - PRINCÍPIO DA LESIVIDADE - ARMA DESMUNICIADA - AUSÊNCIA DE RISCO À INCOLUMIDADE PÚBLICA - ABSOLVIÇÃO DECRETADA. 1. Quando o agente traz consigo arma de fogo desmuniciada, não colocando em risco a incolumidade pública, é de se reconhecer a ausência de lesividade ao bem jurídico protegido pela lei penal. 2. Não havendo a imperiosidade da proteção de bem jurídico, fato existente nos chamados crimes de perigo abstrato meramente formais, é inaceitável a intervenção penal, porquanto inócua e estigmatizante. 3. O princípio da lesividade ou ofensividade possui lastro constitucional exatamente no art. 5º, inciso XXXIX, CF/88, e, no âmbito penal, qualquer tentativa de aplicação de um direito preventivo, mostra-se insubmissa e desgarrada da Regra Excelsa, o que é vedado. 4. Precedente do STF. 5. Absolvição mantida. V.V. (TJMG. Proc n. 1.0351.09.095854-4/001(1) Relator Des.(a) Eduardo Machado DJ 17/08/2010)

     Torna-se imperioso ressaltar a importância deste entendimento em favor da presunção de inocência do acusado. Pois uma conduta que sequer cause lesão a bem jurídico tutelado não pode ser utilizada como objeto de possível condenação penal. Nesse sentido:

PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO - ART. 14, DA LEI Nº 10.826/03 - CRIME DE PERIGO ABSTRATO - INCONSTITUCIONALIDADE - PRINCÍPIO DA LESIVIDADE - ARMA COM CARTUCHOS DEFLAGRADOS - AUSÊNCIA DE RISCO À INCOLUMIDADE PÚBLICA - ABSOLVIÇÃO DECRETADA. 1. Quando o agente traz consigo arma de fogo desmuniciada ou com cartuchos deflagrados em seu interior, não colocando em risco a incolumidade pública, é de se reconhecer a ausência de lesividade ao bem jurídico protegido pela lei penal. 2. Não havendo a imperiosidade da proteção de bem jurídico, fato existente nos chamados crimes de perigo abstrato meramente formais, é inaceitável a intervenção penal, porquanto inócua e estigmatizante. 3. O princípio da lesividade ou ofensividade possui lastro constitucional exatamente no art. 5º, inciso XXXIX, CF/88, e, no âmbito penal, qualquer tentativa de aplicação de um direito preventivo, mostra-se insubmissa e desgarrada da Regra Excelsa, o que é vedado. 4. Precedente do STF. 5. Absolvição decretada. V.V. (TJMG. Proc n. 1.0470.08.054003-7/001(1) Relator Des.(a) Eduardo Machado DJ 17/08/2010

     A infração penal somente se consuma quando há efetiva lesão a bem jurídico tutelado por uma norma abstrata. As demais atitudes vistas como repugnantes por um determinado grupo social apenas são merecedoras de sanção moral. Pois o Direito Penal apenas regula situações juridicamente relevantes no mundo jurídico.  


4 PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL LIGADOS À PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA 


Impossível seria estudar o instituto da inocência presumida sem mencionar determinados princípios do processo penal diretamente relacionados àquele, pois o entendimento desta garantia deve ser realizado em uma análise sistêmica de todo ordenamento jurídico.
Os princípios norteadores do processo penal são um marco inicial na construção da dogmática jurídica dessa ciência. Sem deixar de dar o devido valor  aos princípios gerais do direito que lhe antecedem (RANGEL, 2009).


4.1 Princípio do in dubio pro reo


Conforme lição de Bonfim (2011) , o princípio do in dúbio pro reo, também denominado favor rei ou favor libertatis, tem por fundamento a presunção de inocência. Onde em um Estado de Direito, deve-se privilegiar a liberdade em detrimento à pretensão punitiva do Estado. Somente a certeza da culpa, que por sua vez surge no espírito do juiz, poderá fundamentar uma condenação. E havendo dúvida quanto à culpa do acusado ou no que tange a ocorrência do fato criminoso deve este ser absolvido.
Trata-se de princípio previsto no texto do decreto Lei de número 3.689 de 03 de outubro de 1.941(Código de Processo Penal):

Art. 386.  O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:
VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

Tourinho Filho (2009), ao definir o pensamento do magistrado na aplicação deste instituto assim descreve em sua obra: “O juiz não duvida quando absolve. Está firmemente seguro, tem a plena certeza. De quê? De que lhe faltam provas para condenar. No se trata de ‘favor’ sino de justiça” (TOURINHO FILHO, 2009 p. 31)
Destaca-se  que este princípio constitucional é um direito fundamental assegurado a todas as pessoas e decorrente do estado de inocência ou não-culpabilidade.

4.2 Princípio da verdade real

No processo penal, o juiz deve investigar como os fatos realmente se passaram, não podendo se conformar com a verdade formal existente nos autos (CAPEZ, 2009).
Conforme leciona Tourinho Filho, a função de punir do Estado deve se dirigir àquele que realmente tenha cometido a infração penal. Portanto o processo penal deve pender à averiguação e desenvolvimento da verdade real, da verdade material, como fundamento da sentença (TOURINHO FILHO, 2009).
Nota-se o relacionamento desse princípio com a presunção de inocência do acusado no momento em que deve ser provado de forma inequívoca a participação do agente na prática de uma infração penal. Nesse sentido, observa-se uma proteção do acusado em face do Estado que tem por objetivo punir o agente por uma possível autoria de crime. E nesta missão é limitado devido ao direito natural expresso pela busca da verdade real.


CONCLUSÃO


O presente estudo teve como objetivo enumerar alguns princípios ligados à garantia constitucional da presunção de inocência. Pois o sistema normativo é um verdadeiro arcabouço no qual princípios e demais espécies normativas funcionam em  sintonia.
O direito penal brasileiro tem sua base em uma doutrina garantista que protege os direitos e garantias fundamentais de todos. Estas garantias possuem um sistema duplo pelo qual são protegidos os bens jurídicos penalmente relevantes. Nesta senda, existe uma proteção contra o arbítrio do Estado e a manutenção da normalidade do sistema, buscando a punição daqueles que se aventurarem em violar o sistema normativo. Trata-se da garantia de proteção aos bens jurídicos penalmente relevantes de terceiros contra ações delituosas.
À luz de valores iluministas o direito penal evoluiu no sentido de um garantismo político voltado ao bem estar de todos. Neste prisma, os princípios são instrumentos essenciais ao direito penal na busca de um equilíbrio. Desta forma será possível garantir um verdadeiro Estado Democrático de Direito e um sistema jurídico pautado em valores de justiça e igualdade social.


REFERÊNCIAS


AMORIM, Álvaro Rodrigues Pereira Borges de. A prisões cautelares sob o enfoque da Constituição Federal de 1988. Direito processual penal- reflexões jurídicas, Belo Horizonte, p. 57-70, 2010.


AZEVEDO, Marcelo André de. Coleção de sinopses para concursos:Direito Penal, parte geral.São Paulo: Jus Podvm, 2011.


______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 20 nov. 2011.


______. Decreto-lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940. Institui o Código Penal.


______. Decreto-lei nº 3.689 de 03 de outubro de 1941. Institui o Código de Processo Penal.



______. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: < http://www.stj.gov.br/>. Acesso em: 4 maio 2011.


______. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/>. Acesso em: 4 maio 2011.


BATISTI, Leonir. Presunção de Inocência. Apreciação dogmática e nos instrumentos internacionais e constituições do Brasil e Portugal. Curitiba: Juruá, 2009.


BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.


BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.


CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.


CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Teoria Geral do Processo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.


FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da língua portuguesa. 7. ed. Curitiba: Positivo, 2009.


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NERY JUNIOR, Nelson; NERY,Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.


NORONHA, Magalhães. Curso de direito processual penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1983.


NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.


PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, parte geral: arts.1º a 120. 8. ed. São Paulo: v.1, Revista dos Tribunais, 2008.


RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.


SANTORO, Luciano Fincatti. Morrer com dignidade. Revista Jurídica Visão Jurídica, São Paulo-SP, n.64, p. 8-12, set. 2011.


TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

sábado, 19 de outubro de 2013

PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E O JULGAMENTO DO RÉU

5º PARTE (Do Artigo Científico " O Princípio Da Presunção De Inocência Como Garantia Processual Penal")

RAFAEL FERRARI



Analisando o espírito da norma constitucional em questão, podemos presumir que a execução da pena em desfavor do agente deverá ser em função da condenação definitiva. E sempre após um julgamento com base no devido processo legal.
Nabuco Filho (2010) ainda ressalta a atuação do princípio da presunção de inocência, consagrado no texto constitucional, como um mecanismo que coíbe a atuação de juízos apressados e precipitados.
Leonir Batisti em lição histórica exprime que em termos penais o que se viu em alguns momentos foi a manipulação do direito penal como um instrumento de perseguição, com prisões fundamentadas em boatos, condenações infundadas e baseadas em  oportunismo daqueles que manipulavam o poder. Ocorrendo tais fatos a par de um sistema de penas absurdamente fora do princípio da dignidade da pessoa humana (BATISTI, 2009).
Observe-se como, de forma expressa, o texto do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos expõe o instituto de presunção de inocência:

Art. 14.2 Qualquer pessoa acusada de uma infração penal é de direito presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido legalmente estabelecida. (PIDCP, artigo 14.2)

Nabuco Filho (2010) demonstra que o princípio da presunção de inocência, consagrado na Constituição Federal, de modo simplificado, exige que alguém somente seja considerado culpado pela prática de uma infração penal após um processo onde tenha ocorrido um debate dialético. Donde a acusação demonstra a culpa do acusado e a defesa demonstra a fragilidades dos argumentos da acusação.
Assim, surge uma questão de grande valor e importância que diz respeito quanto a capacidade do ser humano em compreender o fato de poder afirmar a existência de uma verdade, sendo que a imperfeição humana pode levar a uma interpretação errônea da realidade. E tais erros conduzem à dissonância entre o juízo que se faz de um fato, e como este fato foi realmente praticado. Motivo este que levam a inúmeros erros judiciários com enorme repercussão, nos quais a sociedade tinha certeza de estar punindo o autor de um fato. No entanto, essas certezas causaram os maiores erros judiciários (NABUCO FILHO, 2010).
A forma bárbara como foi praticado o delito certamente choca toda a sociedade e causa o sentimento de uma justiça distorcida causando nas pessoas o sentimento de necessidade de impor uma pena ao infrator a ser aplicada de forma mais infame que o delito praticado por ele. Contudo, este não é o espírito do direito penal brasileiro que proíbe no texto constitucional penas cruéis ou de morte, salvo em situações de guerra, hipótese prevista para o uso da pena de morte.
Mesmo que o crime praticado seja considerado repugnante pela coletividade, este fato não implica que o acusado perderá seus direitos concedidos pela Constituição Federal. Todavia, o suspeito pela prática do crime poderá ser considerado inocente ao final da persecução penal. Não pode ser deixado de lado a hipótese de um erro judiciário. Ou seja, o réu pode ser condenado pela prática de uma infração penal que não cometeu (NABUCO FILHO, 2010).
Essa hipótese pode ser confirmada em inúmeros casos noticiados pela mídia. Imagine a quantidade de pessoas que foram condenadas pela prática de delitos que não cometeram e amargaram o gosto de uma condenação criminal somente porque o Estado quis mostrar sua força para a sociedade. E estas pessoas dilaceram a alma clamando por justiça (NABUCO FILHO, 2010).
Ainda conforme o raciocínio apresentado pode ser observado que não importa se o crime imputado ao réu é um estupro ou o mais repugnante dos homicídios. Todo acusado tem seu direito à defesa. Pois um autor de uma grave infração penal não perde seus direitos constitucionais. Mesmo que o crime seja grave, o acusado pode ser um inocente ( NABUCO FILHO, 2010).
Ainda complementa Nabuco Filho:

Não se pode esquecer que a história é pródiga em erros judiciários.
Dentre estes, pode ser lembrado o caso Juan Calas, que foi acusado de ter matado o próprio filho por enforcamento, em Tolouse, na França, no século XVII. Apesar de jurar inocência, foi condenado à pena de morte, com suplício na roda. A opinião pública exultou com sua execução, certa de que ali se fazia justiça. Contudo, após a sua morte, Voltaire, o filósofo do Iluminismo, assumiu sua defesa e demonstrou que o filho de Juan Calas se suicidara. Foi, então, Juan Calas absolvido e sua memória restabelecida.
Nesse, como em tantos outros casos semelhantes, a opinião pública esteve sempre ao lado do erro judiciário. E o advogado não parecia para a opinião pública outra coisa senão a exaltação do próprio crime.
Se esse foi um exemplo notório de um inocente condenado, não se pode perder de vista que existem inúmeros casos anônimos de erros judiciários, que jamais serão conhecidos do público. (NABUCO FILHO, 2010, p.94) 

Em análise ao ordenamento jurídico observa-se que o artigo 386 do Código de Processo Penal elenca hipóteses de absolvição do réu. E mais precisamente na parte final do inciso VI faz alusão ao princípio da inocência presumida, quando afirma que o juiz absolverá o réu se houver fundada dúvida sobre a existência do crime. E desta forma consagra este dispositivo constitucional quando presume a inocência do réu pelo motivo de existirem dúvidas sobre a existência da ação delituosa imputada ao mesmo.
Neste prisma leciona Nucci:

Outro ponto inédito, que, embora fosse desnecessário, não deixa de ser bem vindo, é a expressa menção quanto à dúvida: “se houver fundada dúvida quanto a sua existência”(parte final do inciso VII). Atendendo-se ao princípio da presunção de inocência, constitucionalmente previsto, outra não poderia ser a conclusão.  (NUCCI , 2009, p.688-689) 

Pode-se destacar a ampla utilização do princípio constitucional analisado no corpo de diplomas legais e entendimento de tribunais, quando do julgamento de práticas de infrações penais que garantem a aplicação da justiça em sua forma mais transparente e justa.
A presunção de inocência do acusado é um instituto largamente garantido nos países democráticos, e está previsto no artigo 11 da Declaração universal dos Direitos Humanos (1.948), dando um basta à tortura e às provas ilegais. Este fato assegura que o acusado não tratado como culpado ate sentença penal condenatória (D' URSO, 2011).
A manutenção do instituto da presunção de inocência preserva o equilíbrio que deve nortear a relação entre o Estado-juiz e o cidadão em uma relação processual, porque a culpabilidade ou a inocência do acusado será verificada por meio de provas durante a instrução processual (D' URSO, 2011).
Contudo, não se pode deixar de lado que os antecedentes do acusado podem ser usados para a fixação de sua pena quando da condenação. Podendo ser empregados como parâmetros os antecedentes, a conduta social, e a personalidade do agente dentre outros. Este comando normativo está previsto no artigo 59 do Código Penal e não poderá ser considerado afronta ao princípio em estudo. Veja um julgamento de habeas corpus pelo STF:

EMENTA: HABEAS-CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. INQUÉRITOS. ANTECEDENTES CRIMINAIS. EXASPERAÇÃO DA PENA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA INOCÊNCIA PRESUMIDA. 1. Folha criminal: existência de inquéritos e procedimentos por desacato e receptação. Maus antecedentes. Exasperação da pena. 2. Compreende-se no poder discricionário do juiz a avaliação, para efeito de exacerbação da pena, a existência de inquéritos sobre o mesmo fato imputado e outros procedimentos relativos a desacato e receptação, que caracterizem maus antecedentes. 3. Dentre as circunstâncias previstas na lei penal (CP, artigo 59) para a fixação da pena incluem-se aqueles pertinentes aos antecedentes criminais do agente, não se constituindo o seu aumento violação ao princípio da inocência presumida (CF, artigo 5º, LVII). Habeas-corpus indeferido.(STF. HC 81759 SP Relator Maurício Corrêa DJ 25/03/2002)

Ainda deve ser considerado que mesmo após o julgamento do réu, sua condenação não importará em presunção de sua culpabilidade antes de transitar em julgado a decisão. Estamos diante do já consagrado princípio do duplo grau de jurisdição, um dos garantidores do estado de inocência.
Como forma de garantir o estado de inocência daquele que recorre de uma sentença desfavorável pode-se observar o artigo 596 do Código de Processo Penal onde expressa o fato de a apelação da sentença absolutória não impedir que o réu seja posto imediatamente em liberdade. A colocação do réu em liberdade deverá ser  conforme previsão legal. Noutro giro, nota-se uma aparente falha no artigo antecedente ao dispositivo normativo citado. O artigo 595 do Código de Processo Penal menciona que se o réu condenado fugir depois de haver apelado, será declarada deserta sua apelação. Isto é, o recurso não será conhecido para seu posteriormente ser provido pelo juízo ad quem.
Entretanto há de se destacar o fato de esse artigo não ser aplicável por força da súmula 347 do Superior Tribunal de Justiça. Pois seria uma afronta aos direitos constitucionais aceitar como fundamento da impossibilidade de julgamento do recurso interposto pelo réu o motivo de sua fuga. Conforme disposto na súmula em questão:

Súmula 347. O conhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão 

Todavia, poderá existir a necessidade de manter o réu preso aguardando o julgamento de seu recurso de apelação de uma sentença condenatória proferida pelo juízo competente. Obviamente essa prisão será fundamentada no ordenamento jurídico não contrariando princípios fundamentais previstos no texto constitucional, cuja legalidade da decisão já foi demonstrada neste estudo na abordagem sobre a questão da prisão preventiva face ao princípio da presunção de inocência. Neste sentido a súmula de número nove editada pelo Superior Tribunal de Justiça:

Súmula 9. A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência.
  
Importante é lembrar que os recursos nasceram com o escopo de diminuírem, o quanto possível, a margem de erros oriundos do poder judiciário. Sendo garantido a revisão de tais decisões. Pois a justiça dos homens pode falhar, assim como o homem é falível (D' URSO, 2011).  

CONCLUSÃO

Vivemos em um Estado Democrático de Direito onde as garantias constitucionais são verdadeiras limitações constitucionais ao poder estatal. O poder público é regido por normas editadas e aprovadas pelo Poder Legislativo. Este, por sua vez, é eleito pelo povo, que os colocam como seus representantes através de seu exercício de cidadania: o voto. Esta situação fortalece a democracia onde o poder emana do povo que é exercido por meio de seus representantes.
Entretanto, esse poder deve ser delimitado pelos princípios elencados no texto constitucional. As normas devem obedecer a esses fundamentos. E, por sua vez, os órgãos responsáveis por decidir questões de conflito são obrigados a seguir tais princípios.  O exercício de uma justiça eficiente e eficaz depende do importante papel dos preceitos constitucionais distribuídos por todo o texto legal. Em especial o princípio da presunção de inocência, que garante o afastamento da existências de possíveis arbitrariedades do poder público em busca de uma reposta para a sociedade.
A aplicação do pensamento contido na hipótese de inocência do acusado pela prática de uma infração penal reduz a possibilidade do exercício de uma justiça leviana. O magistrado não pode deixar-se contaminar pela ignorância e princípios equivocados de justiça por vezes difundidos pela mídia e formadores da opinião pública. O Estado juiz deve ser técnico quando da análise de um fato para ser justo e aplicar a norma jurídica conforme seu espírito, e desta maneira expressar a vontade popular que foi positivada por meio de seus representantes.
O Estado é o legítimo possuidor do direito ao uso da força. Este poder deve ser utilizado em favor da sociedade, pois quando a força é praticada em desconforme com o justo ela torna-se violência. E, por sua vez, a violência é um ato ilícito, sendo prejudicial ao exercício do Estado Democrático de Direito.
A prisão de um suspeito deve ser realizada de acordo com a lei. A privação da liberdade não pode ser encarada como uma demonstração de poder, ou um arbítrio do poder público com objetivo de demonstrar sua força coercitiva. O direito à liberdade é também uma garantia constitucional. É um direito indisponível. Jamais pode ser admitido tal pena corporal para satisfazer a opinião pública e promover a imagem do poder estatal.
O princípio constitucional em estudo tem por escopo evitar a aplicação apressada e irresponsável da justiça. O homem tem o direito a vida, a liberdade, a existência de forma digna e a correta aplicação da justiça.
É uma das mais importantes garantias previstas na Constituição, onde o acusado pela prática de uma infração penal deixa de ser um simples componente de uma relação jurídica processual e torna-se um sujeito detentor de direitos e garantias. Deste princípio, vários outros surgem em favor do réu. Tais como o contraditório, a ampla defesa, o devido processo legal dentre outros.
O princípio em questão não afirma o fato de o culpado pela prática de uma infração penal ser inocente e não poder sofrer o julgamento através dos órgãos estatais. Este dispositivo constitucional apenas expressa o fato de que ninguém poderá ser considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Ou seja, depois de ser julgado através de um devido processo legal sendo asseguradas todas as garantias constitucionais. Ela é um remédio contra o arbítrio do Estado e a aplicação injusta da justiça.
A essência da justiça não é apoiar atitudes que desrespeitam os valores da dignidade da pessoa humana que por muitas vezes são perpetradas por nossos próprios semelhantes que buscam apenas seus objetivos em detrimento dos valores humanos. O direito existe para equilibrar as relações interpessoais e tornar agradável a vida de todos.


REFERÊNCIAS

______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 20 nov. 2011.

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______. Decreto-lei nº 3.689 de 03 de outubro de 1941. Institui o Código de Processo Penal.

______. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: < http://www.stj.gov.br/>. Acesso em: 4 maio 2011.

______. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/>. Acesso em: 4 maio 2011.

BATISTI, Leonir. Presunção de Inocência. Apreciação dogmática e nos instrumentos internacionais e constituições do Brasil e Portugal. Curitiba: Juruá, 2009.

D'URSO, Luiz Flávio Borges. Pec dos recursos e presunção de inocência. Revista Jurídica Visão Jurídica, São Paulo, n.64, p. 25, set. 2011.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da língua portuguesa. 7. ed. Curitiba: Positivo, 2009.

NABUCO FILHO, José. Importância da presunção de inocência. Revista Jurídica Visão Jurídica, São Paulo, v. 01, n.54, p. 94-95, out. 2010.
 
JUS BRASIL. STF - HABEAS CORPUS: HC 81759 SP. Disponível em: < http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/775030/habeas-corpus-hc-81759-sp-stf>. Acesso em: 25 set 2011
 
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

ONU. Protocolo Facultativo relativo ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Disponível em: < http://www.cedin.com.br/site/pdf/legislacao/tratados/protocolo_facultativo_relativo_ao_pacto_internacional_sobre_os_direitos_civis_e_politicos.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2010.