sábado, 19 de outubro de 2013

PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E O JULGAMENTO DO RÉU

5º PARTE (Do Artigo Científico " O Princípio Da Presunção De Inocência Como Garantia Processual Penal")

RAFAEL FERRARI



Analisando o espírito da norma constitucional em questão, podemos presumir que a execução da pena em desfavor do agente deverá ser em função da condenação definitiva. E sempre após um julgamento com base no devido processo legal.
Nabuco Filho (2010) ainda ressalta a atuação do princípio da presunção de inocência, consagrado no texto constitucional, como um mecanismo que coíbe a atuação de juízos apressados e precipitados.
Leonir Batisti em lição histórica exprime que em termos penais o que se viu em alguns momentos foi a manipulação do direito penal como um instrumento de perseguição, com prisões fundamentadas em boatos, condenações infundadas e baseadas em  oportunismo daqueles que manipulavam o poder. Ocorrendo tais fatos a par de um sistema de penas absurdamente fora do princípio da dignidade da pessoa humana (BATISTI, 2009).
Observe-se como, de forma expressa, o texto do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos expõe o instituto de presunção de inocência:

Art. 14.2 Qualquer pessoa acusada de uma infração penal é de direito presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido legalmente estabelecida. (PIDCP, artigo 14.2)

Nabuco Filho (2010) demonstra que o princípio da presunção de inocência, consagrado na Constituição Federal, de modo simplificado, exige que alguém somente seja considerado culpado pela prática de uma infração penal após um processo onde tenha ocorrido um debate dialético. Donde a acusação demonstra a culpa do acusado e a defesa demonstra a fragilidades dos argumentos da acusação.
Assim, surge uma questão de grande valor e importância que diz respeito quanto a capacidade do ser humano em compreender o fato de poder afirmar a existência de uma verdade, sendo que a imperfeição humana pode levar a uma interpretação errônea da realidade. E tais erros conduzem à dissonância entre o juízo que se faz de um fato, e como este fato foi realmente praticado. Motivo este que levam a inúmeros erros judiciários com enorme repercussão, nos quais a sociedade tinha certeza de estar punindo o autor de um fato. No entanto, essas certezas causaram os maiores erros judiciários (NABUCO FILHO, 2010).
A forma bárbara como foi praticado o delito certamente choca toda a sociedade e causa o sentimento de uma justiça distorcida causando nas pessoas o sentimento de necessidade de impor uma pena ao infrator a ser aplicada de forma mais infame que o delito praticado por ele. Contudo, este não é o espírito do direito penal brasileiro que proíbe no texto constitucional penas cruéis ou de morte, salvo em situações de guerra, hipótese prevista para o uso da pena de morte.
Mesmo que o crime praticado seja considerado repugnante pela coletividade, este fato não implica que o acusado perderá seus direitos concedidos pela Constituição Federal. Todavia, o suspeito pela prática do crime poderá ser considerado inocente ao final da persecução penal. Não pode ser deixado de lado a hipótese de um erro judiciário. Ou seja, o réu pode ser condenado pela prática de uma infração penal que não cometeu (NABUCO FILHO, 2010).
Essa hipótese pode ser confirmada em inúmeros casos noticiados pela mídia. Imagine a quantidade de pessoas que foram condenadas pela prática de delitos que não cometeram e amargaram o gosto de uma condenação criminal somente porque o Estado quis mostrar sua força para a sociedade. E estas pessoas dilaceram a alma clamando por justiça (NABUCO FILHO, 2010).
Ainda conforme o raciocínio apresentado pode ser observado que não importa se o crime imputado ao réu é um estupro ou o mais repugnante dos homicídios. Todo acusado tem seu direito à defesa. Pois um autor de uma grave infração penal não perde seus direitos constitucionais. Mesmo que o crime seja grave, o acusado pode ser um inocente ( NABUCO FILHO, 2010).
Ainda complementa Nabuco Filho:

Não se pode esquecer que a história é pródiga em erros judiciários.
Dentre estes, pode ser lembrado o caso Juan Calas, que foi acusado de ter matado o próprio filho por enforcamento, em Tolouse, na França, no século XVII. Apesar de jurar inocência, foi condenado à pena de morte, com suplício na roda. A opinião pública exultou com sua execução, certa de que ali se fazia justiça. Contudo, após a sua morte, Voltaire, o filósofo do Iluminismo, assumiu sua defesa e demonstrou que o filho de Juan Calas se suicidara. Foi, então, Juan Calas absolvido e sua memória restabelecida.
Nesse, como em tantos outros casos semelhantes, a opinião pública esteve sempre ao lado do erro judiciário. E o advogado não parecia para a opinião pública outra coisa senão a exaltação do próprio crime.
Se esse foi um exemplo notório de um inocente condenado, não se pode perder de vista que existem inúmeros casos anônimos de erros judiciários, que jamais serão conhecidos do público. (NABUCO FILHO, 2010, p.94) 

Em análise ao ordenamento jurídico observa-se que o artigo 386 do Código de Processo Penal elenca hipóteses de absolvição do réu. E mais precisamente na parte final do inciso VI faz alusão ao princípio da inocência presumida, quando afirma que o juiz absolverá o réu se houver fundada dúvida sobre a existência do crime. E desta forma consagra este dispositivo constitucional quando presume a inocência do réu pelo motivo de existirem dúvidas sobre a existência da ação delituosa imputada ao mesmo.
Neste prisma leciona Nucci:

Outro ponto inédito, que, embora fosse desnecessário, não deixa de ser bem vindo, é a expressa menção quanto à dúvida: “se houver fundada dúvida quanto a sua existência”(parte final do inciso VII). Atendendo-se ao princípio da presunção de inocência, constitucionalmente previsto, outra não poderia ser a conclusão.  (NUCCI , 2009, p.688-689) 

Pode-se destacar a ampla utilização do princípio constitucional analisado no corpo de diplomas legais e entendimento de tribunais, quando do julgamento de práticas de infrações penais que garantem a aplicação da justiça em sua forma mais transparente e justa.
A presunção de inocência do acusado é um instituto largamente garantido nos países democráticos, e está previsto no artigo 11 da Declaração universal dos Direitos Humanos (1.948), dando um basta à tortura e às provas ilegais. Este fato assegura que o acusado não tratado como culpado ate sentença penal condenatória (D' URSO, 2011).
A manutenção do instituto da presunção de inocência preserva o equilíbrio que deve nortear a relação entre o Estado-juiz e o cidadão em uma relação processual, porque a culpabilidade ou a inocência do acusado será verificada por meio de provas durante a instrução processual (D' URSO, 2011).
Contudo, não se pode deixar de lado que os antecedentes do acusado podem ser usados para a fixação de sua pena quando da condenação. Podendo ser empregados como parâmetros os antecedentes, a conduta social, e a personalidade do agente dentre outros. Este comando normativo está previsto no artigo 59 do Código Penal e não poderá ser considerado afronta ao princípio em estudo. Veja um julgamento de habeas corpus pelo STF:

EMENTA: HABEAS-CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. INQUÉRITOS. ANTECEDENTES CRIMINAIS. EXASPERAÇÃO DA PENA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA INOCÊNCIA PRESUMIDA. 1. Folha criminal: existência de inquéritos e procedimentos por desacato e receptação. Maus antecedentes. Exasperação da pena. 2. Compreende-se no poder discricionário do juiz a avaliação, para efeito de exacerbação da pena, a existência de inquéritos sobre o mesmo fato imputado e outros procedimentos relativos a desacato e receptação, que caracterizem maus antecedentes. 3. Dentre as circunstâncias previstas na lei penal (CP, artigo 59) para a fixação da pena incluem-se aqueles pertinentes aos antecedentes criminais do agente, não se constituindo o seu aumento violação ao princípio da inocência presumida (CF, artigo 5º, LVII). Habeas-corpus indeferido.(STF. HC 81759 SP Relator Maurício Corrêa DJ 25/03/2002)

Ainda deve ser considerado que mesmo após o julgamento do réu, sua condenação não importará em presunção de sua culpabilidade antes de transitar em julgado a decisão. Estamos diante do já consagrado princípio do duplo grau de jurisdição, um dos garantidores do estado de inocência.
Como forma de garantir o estado de inocência daquele que recorre de uma sentença desfavorável pode-se observar o artigo 596 do Código de Processo Penal onde expressa o fato de a apelação da sentença absolutória não impedir que o réu seja posto imediatamente em liberdade. A colocação do réu em liberdade deverá ser  conforme previsão legal. Noutro giro, nota-se uma aparente falha no artigo antecedente ao dispositivo normativo citado. O artigo 595 do Código de Processo Penal menciona que se o réu condenado fugir depois de haver apelado, será declarada deserta sua apelação. Isto é, o recurso não será conhecido para seu posteriormente ser provido pelo juízo ad quem.
Entretanto há de se destacar o fato de esse artigo não ser aplicável por força da súmula 347 do Superior Tribunal de Justiça. Pois seria uma afronta aos direitos constitucionais aceitar como fundamento da impossibilidade de julgamento do recurso interposto pelo réu o motivo de sua fuga. Conforme disposto na súmula em questão:

Súmula 347. O conhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão 

Todavia, poderá existir a necessidade de manter o réu preso aguardando o julgamento de seu recurso de apelação de uma sentença condenatória proferida pelo juízo competente. Obviamente essa prisão será fundamentada no ordenamento jurídico não contrariando princípios fundamentais previstos no texto constitucional, cuja legalidade da decisão já foi demonstrada neste estudo na abordagem sobre a questão da prisão preventiva face ao princípio da presunção de inocência. Neste sentido a súmula de número nove editada pelo Superior Tribunal de Justiça:

Súmula 9. A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência.
  
Importante é lembrar que os recursos nasceram com o escopo de diminuírem, o quanto possível, a margem de erros oriundos do poder judiciário. Sendo garantido a revisão de tais decisões. Pois a justiça dos homens pode falhar, assim como o homem é falível (D' URSO, 2011).  

CONCLUSÃO

Vivemos em um Estado Democrático de Direito onde as garantias constitucionais são verdadeiras limitações constitucionais ao poder estatal. O poder público é regido por normas editadas e aprovadas pelo Poder Legislativo. Este, por sua vez, é eleito pelo povo, que os colocam como seus representantes através de seu exercício de cidadania: o voto. Esta situação fortalece a democracia onde o poder emana do povo que é exercido por meio de seus representantes.
Entretanto, esse poder deve ser delimitado pelos princípios elencados no texto constitucional. As normas devem obedecer a esses fundamentos. E, por sua vez, os órgãos responsáveis por decidir questões de conflito são obrigados a seguir tais princípios.  O exercício de uma justiça eficiente e eficaz depende do importante papel dos preceitos constitucionais distribuídos por todo o texto legal. Em especial o princípio da presunção de inocência, que garante o afastamento da existências de possíveis arbitrariedades do poder público em busca de uma reposta para a sociedade.
A aplicação do pensamento contido na hipótese de inocência do acusado pela prática de uma infração penal reduz a possibilidade do exercício de uma justiça leviana. O magistrado não pode deixar-se contaminar pela ignorância e princípios equivocados de justiça por vezes difundidos pela mídia e formadores da opinião pública. O Estado juiz deve ser técnico quando da análise de um fato para ser justo e aplicar a norma jurídica conforme seu espírito, e desta maneira expressar a vontade popular que foi positivada por meio de seus representantes.
O Estado é o legítimo possuidor do direito ao uso da força. Este poder deve ser utilizado em favor da sociedade, pois quando a força é praticada em desconforme com o justo ela torna-se violência. E, por sua vez, a violência é um ato ilícito, sendo prejudicial ao exercício do Estado Democrático de Direito.
A prisão de um suspeito deve ser realizada de acordo com a lei. A privação da liberdade não pode ser encarada como uma demonstração de poder, ou um arbítrio do poder público com objetivo de demonstrar sua força coercitiva. O direito à liberdade é também uma garantia constitucional. É um direito indisponível. Jamais pode ser admitido tal pena corporal para satisfazer a opinião pública e promover a imagem do poder estatal.
O princípio constitucional em estudo tem por escopo evitar a aplicação apressada e irresponsável da justiça. O homem tem o direito a vida, a liberdade, a existência de forma digna e a correta aplicação da justiça.
É uma das mais importantes garantias previstas na Constituição, onde o acusado pela prática de uma infração penal deixa de ser um simples componente de uma relação jurídica processual e torna-se um sujeito detentor de direitos e garantias. Deste princípio, vários outros surgem em favor do réu. Tais como o contraditório, a ampla defesa, o devido processo legal dentre outros.
O princípio em questão não afirma o fato de o culpado pela prática de uma infração penal ser inocente e não poder sofrer o julgamento através dos órgãos estatais. Este dispositivo constitucional apenas expressa o fato de que ninguém poderá ser considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Ou seja, depois de ser julgado através de um devido processo legal sendo asseguradas todas as garantias constitucionais. Ela é um remédio contra o arbítrio do Estado e a aplicação injusta da justiça.
A essência da justiça não é apoiar atitudes que desrespeitam os valores da dignidade da pessoa humana que por muitas vezes são perpetradas por nossos próprios semelhantes que buscam apenas seus objetivos em detrimento dos valores humanos. O direito existe para equilibrar as relações interpessoais e tornar agradável a vida de todos.


REFERÊNCIAS

______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 20 nov. 2011.

______. Decreto-lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940. Institui o Código Penal.

______. Decreto-lei nº 3.689 de 03 de outubro de 1941. Institui o Código de Processo Penal.

______. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: < http://www.stj.gov.br/>. Acesso em: 4 maio 2011.

______. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/>. Acesso em: 4 maio 2011.

BATISTI, Leonir. Presunção de Inocência. Apreciação dogmática e nos instrumentos internacionais e constituições do Brasil e Portugal. Curitiba: Juruá, 2009.

D'URSO, Luiz Flávio Borges. Pec dos recursos e presunção de inocência. Revista Jurídica Visão Jurídica, São Paulo, n.64, p. 25, set. 2011.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da língua portuguesa. 7. ed. Curitiba: Positivo, 2009.

NABUCO FILHO, José. Importância da presunção de inocência. Revista Jurídica Visão Jurídica, São Paulo, v. 01, n.54, p. 94-95, out. 2010.
 
JUS BRASIL. STF - HABEAS CORPUS: HC 81759 SP. Disponível em: < http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/775030/habeas-corpus-hc-81759-sp-stf>. Acesso em: 25 set 2011
 
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

ONU. Protocolo Facultativo relativo ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Disponível em: < http://www.cedin.com.br/site/pdf/legislacao/tratados/protocolo_facultativo_relativo_ao_pacto_internacional_sobre_os_direitos_civis_e_politicos.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2010.
 


terça-feira, 16 de julho de 2013

LEI MARIA DA PENHA: ANÁLISE À LUZ DO PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA

Autores: Rafael Ferrari - Bacharel em Direito
                  Maria Aparecida de Almeida - Advogada



Área do Direito: Direito Penal


Resumo: Ao longo do tempo, o Estado reconhece a fragilidade da mulher e cria normas penalizadoras a fim de tentar solucionar o problema em questão, com a finalidade de proteger o bem jurídico tutelado, e garantir a integridade física das mulheres.Dentro dessa premissa, podemos observar  a construção dos tipos penais cada vez mais coercitivo, buscando a imposição de penas privativas de liberdade. É com base nesses contornos iniciais, extrai-se a subsidiariedade do direito penal, sendo que outras medidas, não repressivas, poderiam ser eficazes a coibir as situações de violência em que o envolvimento tem relação de afeto, o que dificulta a aplicação da norma penal.

Palavras-chave: Lei Maria da Penha; Princípio da Intervenção Mínima;

Abstract: Over time, the State recognizes the fragility of women and creates regulations to penalize in order to try to solve the problem at hand, in order to protect the legal interests protected, and ensure the physical integrity of mulheres.Dentro this premise, we can observe the construction of criminal types increasingly coercive, seeking the imposition of custodial sentences. It is based on these initial contours, extracts the subsidiarity of criminal law, and other measures, not punitive, could be effective in curbing violence in situations of that involvement has a relationship of affection, which hinders the application of the standard criminal .
Keywords: Maria da Penha Law, Principle of Minimum Intervention

SUMÁRIO : Introdução. 1. Da suposta ineficácia da Lei especial.  2. Princípio da intervenção mínima.  Conclusão. Referências


INTRODUÇÃO


Com objetivo de proteger a mulher no âmbito das inúmeras formas de violência ocorridas no seio familiar foi criada a lei 11340/06. O diploma legal em tela foi denominado "Lei Maria da Penha" devido à homenagem feita para uma vítima que tornou-se símbolo da luta contra as violência doméstica.
 Desde a criação dessa norma uma miríade de questionamentos originou grandes polêmicas acerca da aplicação e alcance do dispositivo legal. A sociedade possui vários mecanismos de controle social como a igreja, grupos sociais, a coerção moral, assim como diversos ramos do direito de "esfera não penal". E quando todos esses mecanismos falham o Direito Penal deve atuar para garantir a dignidade da pessoa humana. Entretanto, o sistema de normas penais deve ser a "ultima ratio", e não a única forma de controle social.
Ocorre hodiernamente uma banalização do Direito Penal que deve ser tratado como a última alternativa de controle social. Pois é um ramo do direito constituído de penas rígidas, as quais culminam por inúmeras vezes no cerceamento da liberdade do individuo. Possivelmente possa existir outro meios de controlar o mal ocasionado pela violência domestica e coibis todas as formas de violações de direitos ocorridas do âmbito familiar.
A lei 11340/06 detém severas penas aos infratores em questão e controla com "mãos de ferro"  as situações elencadas. o presente estudo tem por objetivo analisar a aplicação do diploma jurídico em tela e efeitos nas relações familiares.
Assim, podendo concluir a respeito da eficácia da lei no cumprimento da missão de proteger a mulher: o personagem mais frágil nas relações domésticas. 
Trata-se de um assunto polêmico o qual insurge diversas correntes de pensamento. Todavia o presente trabalho não tem o fito de desaprovar uma norma penal, e sim, buscar mecanismos alternativos para reconstituir o núcleo familiar: base da sociedade.


1 Da suposta ineficácia da Lei especial


A par das críticas que se emergem acerca da eficácia da Lei Maria da Penha, propõe-se como medida a equilibrar o direito aplicável aos casos envolvendo violência familiar e doméstica contra a mulher os ditames da intervenção mínima.
Isso não só pela suposta ineficácia técnica da lei 11340/06, mas também pela inefetividade social, que muitas vezes não decorre só das imperfeições legislativas e supostas inconstitucionalidades apontados pelos juristas e mencionadas no presente trabalho, mas também, e principalmente, pela intervenção da Justiça Criminal, em detrimento das instâncias que, embora não-repressivas, poderiam ser eficazes a coibir situação de violência em que os envolvidos têm relação de afeto, o que dificulta em demasiado a aplicação de medidas criminais nesse sentido.
Assim, apresentam-se primeiramente os dados obtidos na pesquisa de documentação direta, para, a seguir, contextualizar o princípio  (ou critério) da intervenção mínima, demonstrando o quanto a aplicação deste pode contribuir para que as ações afirmativas previstas na Lei Maria da Penha possam cumprir o papel desejado pelo legislador: equiparar substancialmente os gêneros masculino e feminino.


2 Princípio da intervenção mínima


Após a Revolução Francesa e  a Declaração os Direitos do Homem e do Cidadão, insurgiu o Estado Democrático de Direito, onde permanece o domínio da lei que se apresenta de forma abstrata e genérica com o fito de obter o convívio em sociedade (SIQUEIRA, 2010).
No Estado Democrático de Direito a autoridade decorre do ordenamento jurídico, pode se afirmar que é a lei que determina como deve ser a conduta das pessoas que possuem liberdade de agir que somente é violada quando for colocado em risco um valor superior, como por exemplo a vida (SIQUEIRA, 2010).  
Seguindo esse raciocínio, assim como outros ramos do Direito como o Direito Administrativo e o Direito Civil, o Direito Penal é uma das formas utilizadas para o controle social. Todavia, a sanção no âmbito penal deve ser considerada a mais grave de todas, pois há possibilidade da privação da liberdade da pessoa. Por este motivo o Direito Penal deve ser aplicado quando nem um outro ramo do direito for capaz de regular o direito, isto é, somente quando forem insuficientes a aplicação dos demais ramos do direito. Por este motivo o Direito Penal é considerado a ultima ratio (AZEVEDO, 2011).
Nesse diapasão, o Direito Penal deve ser um meio necessário de proteção do bem jurídico.No momento em que os outros meios de controle social formais ou informais que sejam menos lesivos aos direitos individuais puderem ser utilizados como instrumento de controle social a tutela penal deixa de ser necessária. Neste sentido o Direito Penal não deve buscar a maior prevenção possível, mais o mínimo de prevenção indispensável (AZEVEDO, 2011).
Azevedo (2011) ainda tece considerações acerca do principio em pauta: Alguns autores tratam o principio da intervenção mínima como gênero, tendo como espécies os princípios da fragmentariedade e subsidiariedade. (AZEVEDO, 2010 p. 28).
Em primeiro plano, a finalidade do direito penal é preventiva, ou seja, evitar o crime, fazendo-o através de modelos de comportamentos humanos, revelando ao legislador a imposição do que deve fazer ou deixar de fazer.
Nesse sentido a doutrina:

O Direito Penal só atua para proteger os bens jurídicos não suficientemente protegidos pelos outros ramos do Direito, desde tais bens jurídicos sejam salutares à vida em sociedade. É um princípio limitador do poder de punir do Estado. O poder punitivo do Estado deve estar regido e limitado pelo princípio da intervenção mínima. O Direito Penal somente deve intervir nos casos de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes. As perturbações mais leves do ordenamento jurídico são objeto de outros ramos do Direito.
O princípio da intervenção mínima, ou ultima ratio, assim como possui o condão de identificar os bens jurídicos mais relevantes, merecedores de proteção pelo Direito Penal, também é o responsável pelo movimento oposto, ou seja, identificar quais os bens jurídicos carecedores de importância à luz do Direito Penal. A esse fenômeno dá-se o nome de DESCRIMINALIZAÇÃO.. (GRECO, 2004 p. 12)

Nessbe diapasão leciona Prado (2008):

O Princípio da intervenção mínima ou da subsidiariedade  decorrente das idéias de necessidade e de utilidade da intervenção penal, presentes no pensamento ilustrado estabelece que o direito penal  só deve atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis a coexistência pacifica dos homens e que não podem  ser eficazmente protegidos de forma menos gravosa. Isso porque a sanção penal reveste-se de especial gravidade, acabando por impor as mais sérias restrições aos direitos fundamentais.
Nesses termos, a intervenção da lei penal só poderá ocorrer quando for absolutamente necessária para a sobrevivência da comunidade – como ultima ratio legis – ficando reduzida a um mínimo imprescindível. E de preferência, só deverá fazê-lo na medida em que for capaz de ter eficácia. (PRADO, 2008 p.138)

Ainda nessa senda Capez:

e) Intervenção mínima:  assenta-se na Declaração de Direitos do homem e do Cidadão, de 1789, cujo o art. 8º que a lei só deve prever as penas estritamente necessárias.
(...)
Somente haverá Direito Penal naqueles raros episódios típicos em que a lei descreve um fato como crime: ao contrario, quando ela nada disser, não haverá espaço para atuação criminal. Nisso, alias, consiste a principal proteção política do cidadão em face do poder punitivo estatal, qual seja, a de que somente poderá ter invadida sua esfera da liberdade, se realizar uma conduta descrita em um daqueles raros pontos onde a lei definiu a existência de uma infração penal. (CAPEZ, 2011 p. 36) (grifo no original).

Consubstanciado nos estudos doutrinários carreados, extrai-se das assertivas acima, a subsidiariedade do direito penal, devendo ser aplicado às situações extremas, externadas pela sociedade e demonstratada a necessária a imposição coercitiva estatal. 
Pode-se observar que as mulheres vem sendo historicamente vitimizadas pela opressão masculina que se desenvolve das mais variadas formas, instaurando um problema social.
Assim, diante de todo o exposto, a legislação em comento, Lei 11.340/06, buscou suas raízes em problemas sociais, oriundos dos primórdios da civilização, usando o poder coercitivo estatal para tentar sanar a discriminação em desfavor das mulheres atreladas à submissão historicamente imposta.
Destarte, com a vigência da Lei especial, o Estado buscou no direito penal, que deveria ser “ultima ratio”, para solucionar contenda historicamente imposta pela sociedade.
Nessa senda, considerando que as vítimas não almejam a imposição coercitiva do direito penal, a aplicabilidade da Lei 11340/06, se mostrou infrutífera, desnecessária, invasiva face à natureza social vislumbrada.
A vítima no calor dos fatos solicita a força estatal que retira o agressor do seio familiar, trazendo à família enorme sofrimento, motivo pelo qual a vítima retrata-se, às vezes intempestivamente, - após o recebimento da denuncia, passando o Estado a figurar como coator externando a vontade de punir que a própria vítima já não o tem.
O Estado deveria dispor de outros ramos do direito para coibir práticas de violência contra as mulheres, sendo desnecessária a utilização do Penal, que possui função subsidiária e fragmentária, se pautando pela intervenção mínima ou última ratio.
Imperioso discorrer sobre o princípio da intervenção mínima, que  tem seu alicerce em limitar o poder de coercitivo estatal, considerando que somente se deve socorrer ao direito penal quando os demais ramos se mostrarem insuficientes.
A solução dos problemas familiares não esta veiculada ao direito penal, e sim ao desenvolvimento de programas sociais buscando erradicar o problema, seja dependência química ou distúrbios psicológicos que irradiam violência.
Não obstante isso, necessário se faz mencionar o pensamento de Pereira (2011):

A política criminal deve ser utilizada visando a solução definitiva de problemas para previnir e não como medida paliativa  para reprimir a criminalidade, conforme se extrai dos trechos adiante de uma entrevista concedida pela Professora Alice Bianchine:

(...) enquanto não se perceber que a melhor política criminal é a social, não se avançara muito sobre o assunto segurança publica (...) .

Voltando ao assunto “Pacote da Segurança”,  percebe-se que as ações são muito tímidas e prestigiam e prestigiam o momento posterior ao crime ou aspectos ligados a repressão. Novamente não se vai  raiz do problema.

Ações de cunho preventivo é que devem ser desentranhadas, planejadas e implementadas,para minimizar o quadro de violência em nosso país.Há necessidade de se compreender que as medidas de cunho repressivo, alem de atuarem quando crime (violência) já foi perpetrado,não são capazes de devolver a tão justa e merecida tranqüilidade social. (PEREIRA, 2011)

           
Imperioso ressaltar que legislação, no que tange à proteção da mulher, tem por finalidade garantir os Direitos Fundamentais da Pessoa Humana, aduzindo mecanismos de contenção a violência doméstica, por outro lado, a maioria das vítimas não almejam a pena privativa de liberdade para seus companheiros, conforme podemos constar no percentual trazido a baila sede de conclusão.
Este raciocínio abrange a essência da Declaração Universal dos Direitos Humanos a qual exprime em seu artigo primeiro que todas as pessoa nascem livres e iguais em dignidade e direitos, e são dotadas de razão e consciência, devendo agir em relação umas as outras com espírito de fraternidade, sendo garantido no artigo 3º à toda pessoa os direitos à vida, à liberdade e à segurança pessoal (DUDH, artigos 1,3).

CONCLUSÃO

Face à análise da lei 11340/06 à luz do principio da intervenção mínima  onde o Direito Penal disciplina condutas delituosas mais gravosas, não deveria intervir no seio familiar de forma tão evasiva e referida lei. Eis que cabalmente o presente trabalho demonstrou que as questões afetas a violência doméstica são oriundos dos problemas sociais, vícios, dependência econômica,  machismo, dentre outros fatores, prova maior que as vitimas não almejam imposição de penas muitas vezes.
Pois a rigidez de uma norma penal é um eficaz mecanismo de prevenção, mas pode tornar-se um eventual fim a uma família que poderia reconstituir-se. O poder público deveria investir em meios alternativos de recuperação do núcleo familiar o qual constitui a base da sociedade.


REFERÊNCIAS


AZEVEDO, Marcelo André de. Coleção de sinopses para concursos:Direito Penal, parte geral. São Paulo: Jus Podvm, 2011.


BRASIL. Decreto  nº 11.340 de 7 de agosto de 2006. Institui a criação de mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.


CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Especial. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.


GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004.


MATOS, Joana Sarmento de; SIQUEIRA, Alessandro Marques de. Política criminal e intervenção mínima. Jus Navigandi, 15 out. 2010. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/17629/politica-criminal-e-intervencao-minima. Acesso em: 10 nov  2011.


ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Declara%C3%A7%C3%A3o-Universal-dos-Direitos-Humanos/declaracao-universal-dos-direitos-humanos.html>. Acesso em: 10 nov. 2011.


PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal brasileiro , parte geral: arts 1º a 120º. 8. ed. Revista dos Tribunais, 2011. v1.

PEREIRA, Geraldo Lopes. Possibilidade de um lei especifica dispor sobre institutos processuais penais de forma diferencia por critérios de política criminal. Universidade Anhanguera - UNIDERP, São Paulo,  nov 2011.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

A confissão do réu face ao princípio da presunção de inocência



4º PARTE (Do Artigo Científico " O Princípio Da Presunção De Inocência Como Garantia Processual Penal")


RAFAEL FERRARI


Conforme palavras de Fernando Capez, confissão é a aceitação por parte do réu da acusação que lhe é dirigida em processo penal. É declaração voluntária, feita por um imputável, a respeito de fato pessoal e próprio, ainda sendo desfavorável e suscetível de renúncia. Ainda como fatores determinantes da confissão destacam-se o remorso, a possibilidade de abrandar o castigo, religião, vaidade, a obtenção de certa vantagem, o altruísmo, o medo físico, o prazer da recordação, dentre outros fatores (CAPEZ, 2009).
O código penal brasileiro traz em seu rol de circunstâncias atenuantes constantes no artigo 65, precisamente no inciso III, alínea "d",  a confissão da autoria do crime por parte do acusado perante a autoridade como circunstância que sempre atenuará a pena caso ocorra uma condenação ao final da instrução penal.
O capítulo IV do título VII do código de processo penal é totalmente dedicado à confissão do réu. Em estudo realizado no cogitado capítulo do CPP, pode ser notada a inequívoca reverência ao estado de inocência do acusado.
O artigo 197 do diploma legal exprime que na apreciação da confissão (uma das provas a serem analisadas para a formação da convicção do magistrado) deve ser considerado o conjunto de provas apresentadas. Necessitando ser verificado se entre as provas apresentadas existe compatibilidade ou concordância.
Destaca o artigo 198 que o silêncio do acusado não importará em confissão, mas poderá ser utilizado como elemento para a formação da convicção do juiz. Neste sentido podem ser correlacionados o princípios da não auto incriminação e do direito ao silêncio (art. 5º, LXIII, CF) ao estado de inocência do réu, objeto deste estudo. Pois o réu tem o direito de não se expressar em juízo ou fora dele, evitando sua auto incriminação durante a oitiva. Destacando o fato de ninguém ser obrigado a produzir provas contra si mesmo. Ainda, deve ser observado o texto do artigo 200 do CPP onde expressa o fato de a confissão ser divisível e retratável. Não devendo prejudicar o livre convencimento do juiz, mas precisará ser analisado o conjunto de provas.
Uma das faces do instituto da inocência presumida é o direito de o acusado não ser obrigado a produzir provas contra si. O qual se relaciona de forma íntima com o direito de poder apresentar sua auto defesa através do depoimento pessoal ou outros meios de prova. Esses dois direitos encontram supedâneo nos princípios do contraditório e da ampla de defesa. Para o exercício de tais direitos é necessário o acusado conhecer o conteúdo da investigação que poderá incriminá-lo ou afastar qualquer incriminação sobre o mesmo (BATISTI, 2009).
A lei processual estabelece ao acusado pela prática de uma infração penal, possibilidades de confessar, negar, silenciar e até mesmo de mentir. Conforme redação do artigo 186 do Código de Processo Penal  aduz que "depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será cientificado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, de seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas". O parágrafo único do referido artigo, dispõe que: " O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa". O acusado poderá também mentir, vez que não presta compromisso. E não há sanção prevista para sua mentira (CAPEZ, 2009).
A súmula 342 do Superior Tribunal de Justiça também demonstra  preocupação com o instituto do estado de inocência na apuração da existência de ato infracional para aplicação de medida sócio educativa. Neste rumo, proibindo o uso da confissão do adolescente como supedâneo para a aplicação de medida sócio educativa. Observe o referido dispositivo:

Súmula 342. No procedimento para aplicação de medida socioeducativa, é nula a desistência de outras provas em face da confissão do adolescente.            

Conforme preceitua o princípio da presunção de inocência, o estado de não culpabilidade do acusado sempre é presumido, cabendo ao órgão acusador, que é o Ministério Público, provar a responsabilidade do agente diante do fato típico e jurídico (MORAIS e NASCIMENTO, 2011).


                       REFERÊNCIAS


______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 20 nov. 2011.

                    ______. Decreto-lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940. Institui o Código Penal.

                    ______. Decreto-lei nº 3.689 de 03 de outubro de 1941. Institui o Código de Processo Penal.

                   BATISTI, Leonir. Presunção de Inocência. Apreciação dogmática e nos instrumentos internacionais e constituições do Brasil e Portugal. Curitiba: Juruá, 2009.

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

MORAIS, Paulo Iász de; NASCIMENTO, Felipe Pinheiros. A efetividade do princípio da presunção de inocência diante da nova lei de prisão e medidas cautelares nº 12.403, de 04.05.2011. Revista Síntese Direito Penal e Processual Penal , Porto Alegre-RS, n.69, p. 9-16, ago-set. 2011.

______. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: < http://www.stj.gov.br/>. Acesso em: 4 maio 2011.






sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Prisão preventiva e presunção de inocência




3º PARTE (Do Artigo Científico " O Princípio Da Presunção De Inocência Como Garantia Processual Penal")


RAFAEL FERRARI


Segundo Fernando Capez (2009), prisão preventiva é prisão cautelar de natureza processual decretada pelo juiz durante o inquérito policial ou processo criminal. Sendo realizada esta prisão antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. E sempre que estiverem preenchidos os requisitos legais e ocorrerem os motivos autorizadores.
Ainda neste sentido, prisão preventiva é uma modalidade de prisão cautelar a ser decretada pela autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento das partes, representação do Ministério Público ou da autoridade policial em qualquer etapa da persecução penal. Ainda que não exista a instauração do inquérito policial, sendo esta uma novidade trazida pela lei 12.403/11. E o embasamento para a decretação da prisão preventiva constitui aspecto que a Constituição Federal atribuiu ao legislador infraconstitucional no momento em que estabeleceu apenas uma formula genérica que é a necessidade de fundamentação judicial conforme art. 5º, LXI, CF (SILVA e SANTOS, 2011). 
Os fundamentos ou requisitos exigidos para a decretação da prisão preventiva do acusado pela prática de uma infração penal, garantindo todos os direitos constitucionais, em especial a presunção de inocência, estão elencados tais requisitos no artigo 312 do Código de Processo Penal que foi complementado com o advento da Lei 12.403/11: 

Art. 312.  A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

Neste prisma, vejamos o entendimento de Pereira em artigo publicado em data de vinte de setembro de 2010 que mostra-se bastante atual apesar da mudança no texto normativo: 

Assim, embora sem trânsito em julgado da sentença condenatória, há compatibilidade entre a prisão preventiva e o estado de inocência, devendo, entretanto, ficar comprovada a presença dos pressupostos (prova da existência do crime e indício suficiente de autoria) e requisitos (garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal) que a autorizam.
Disso se extrai que a liberdade é a regra e a prisão exceção, sendo imprescindível, então, demonstrar que a decretação da prisão preventiva se amolda, concretamente, à previsão do art. 312 do Código de Processo Penal, sob pena de coação ilegal, passível de correção por via de ordem de habeas corpus. (PEREIRA, 2010)

Importante observar que o legislador manteve na nova redação do artigo 312 do Código de Processo Penal dada pela lei 12.403/11 a garantia da ordem pública como um dos fundamentos para a prisão preventiva. Diversos doutrinadores tentaram definir o termo "garantia da ordem pública". Contudo não tiveram sucesso, pois a justiça não pode punir de forma antecipada, com base nos sentimentos de revolta da população nos crimes de grande repercussão, sob pena de incorrer em abuso de poder e violação das garantias constitucionais (MORAIS e NASCIMENTO, 2011).
Lenza (2011), ainda explica o fato de a prisão do acusado, antes do trânsito de sentença penal condenatória, contrariar o princípio constitucional da presunção de inocência. Todavia, existem hipóteses expressamente previstas em lei que permitem a prisão cautelar conforme podemos perceber nas lições já mencionadas.
Noutro giro, conforme o pensamento de Magalhães Noronha (1983), a prisão do acusado antes de ter sido realizado um julgamento só pode se inspirar em uma razão de necessidade, pois a restrição do cidadão de sua liberdade faz pesar sobre ele a privação do crime, causando ao mesmo e sua família despesas, perdas e sacrifícios.
Todavia, pode-se afirmar o fato de o instituto da prisão preventiva não ferir a garantia constitucional da inocência presumida. Uma vez que seja realizada de acordo com as formalidades e necessidades expressas em nosso ordenamento jurídico em consonância com os parâmetros constitucionais.
A prisão preventiva não tem qualquer incompatibilidade com o princípio constitucional da inocência presumida. Devendo existir os pressupostos e requisitos necessários à sua possibilidade de execução.
A nova redação do Código de Processo Penal trazida com o advento da lei 12.403/11 trouxe no artigo 313 condições de admissibilidade, ou seja, as hipóteses para a decretação de prisão preventiva como pode ser observado a seguir:

Art. 313.  Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
Parágrafo único.  Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

A redação do diploma legal em estudo pode acalorar a discussão acerca de um possível desrespeito à presunção de inocência do réu no que tange ao instituto da prisão preventiva.
Conforme lição de Silva e Santos (2011), talvez seja o maior retrocesso trazido ao Código de Processo Penal com o advento da lei 12.403/11 foi a manutenção com alma nova da prisão preventiva visando à identificação da pessoa. Houve a mutação do antigo artigo 313, II , segunda parte do CPP para o parágrafo único do mesmo artigo, trazido pelo novo diploma legal.
Com a redação do atual artigo tornou-se nítida a inconstitucionalidade do instituto denominado prisão para averiguação. A Constituição Federal deu importância à necessidade de identificação criminal, como um postulado fundamental ao exercício da cidadania. Entretanto, para aquele que se depara com a necessidade de uma identificação criminal, o artigo 5º, LVIII, CF guardou o direito de o cidadão se identificar civilmente, e não ser submetido à identificação criminal, salvo em situações previstas em lei (SILVA e SANTOS, 2011).
Neste enfoque, o cidadão que não apresenta identificação civil, irá se sujeitar à criminal. E mesmo que ele apresente sua identificação civil, caso continue alguma dúvida, poderá ser criminalmente identificado (SILVA e SANTOS, 2011).
Por este motivo, o dispositivo normativo em enfoque ultrapassa da cautela constitucional da necessidade de identificação criminal, e cria uma situação mais dura de restrição da liberdade. Este fato soa como um ato arbitrário e incompatível com o processo penal que tem como base os direitos humanos (SILVA e SANTOS, 2011).
Os autores ainda complementam seu comentário: "Prender para identificar, sem outras razões, significa sobrepor o direito penal do autor à perspectivo de culpabilidade." (SILVA e SANTOS, 2011 p. 36)
Mesmo à luz da legislação antiga do dispositivo legal em destaque, a doutrina a jurisprudência já manifestavam repúdio à possibilidade de decretação de prisão preventiva naquelas circunstâncias. Principalmente em virtude da desproporção da medida perante à situação de fato subjacente que lhe permitia a incidência (SILVA e SANTOS, 2011).
A doutrina em estudo ainda acrescenta acerca de seu posicionamento: "Mas, com a redação atual mais nítida e evidente ficou a inconstitucionalidade da prisão para averiguação." (SILVA e SANTOS, 2011, p. 36)       
O instituto da prisão para averiguação pode ser notado um aparente anacronismo no corpo do texto normativo. Ainda que possa parecer um fato isolado. A Constituição Federal de 1.988 prevê que a liberdade é a regra e a prisão exceção, não bastando, assim, a fundamentação abstrata para a manutenção de um cerceamento de liberdade por parte do Estado. Devendo o Magistrado demonstrar concretamente a sua imprescindibilidade, já que o encarceramento provisório é a extrema medida a ser adotada, conforme leciona Luiz Flávio Gomes ao comentar a Lei n.º 12.403/11:

A Lei 12.403/11, que dispõe que o juiz, antes de decretar a prisão preventiva, deve analisar se cabíveis outras medidas cautelares alternativas, constitui um avanço ou um retrocesso? Dois grupos (ideologicamente definidos) já se formaram: para quem concebe que não existe direito penal sem cadeia, a lei é um retrocesso. Para os que veem a cadeia como a “extrema ratio” (extrema medida) da “ultima ratio” (que é o direito penal), a lei é digna de aplausos.
A nova lei (de acordo com nossa visão) nada mais faz que enfatizar o que já se extrai da Constituição Federal: a liberdade é a regra, a prisão é exceção. Para se prender alguém presumido inocente é preciso que todos os requisitos da prisão preventiva estejam presentes.(GOMES, 2011)

Nesse rumo, a decisão de uma prisão não fundamentada conforme a nova lei fere a Constituição Federal de 1988. Considerando que cumpre à autoridade competente analisar definitivamente a necessidade de aplicação de alguma medida cautelar, preferindo, dentre elas, as restritivas de direitos e, somente último caso, após justificar o descabimento das outras, decretar a prisão preventiva.
O artigo 93, IX da Lei Maior destaca a necessidade da fundamentação das decisões judiciais para melhor garantir a transparência das decisões judiciais:
 
Art. 93.(...)
IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Importante é salientar que a decisão de prisão pela autoridade competente deve ser devidamente fundamentada e obrigatoriamente carece de fundamentação criteriosa conforme o ordenamento jurídico e a situação fática. Pois, a prisão ilegal deve ser relaxada imediatamente estando passível de ser atacada mediante a impetração de Habeas Corpus. Para melhor fundamentar este entendimento,  cabe a análise o inciso LXVII do artigo 5º da Constituição Federal:

Art. 5º (...)
LXVIII - conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;

Neste sentido o artigo 647 do Código de Processo Penal:

Art. 647.  Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.

Diante do vigente ordenamento jurídico a jurisprudência dominante a não comprovação da prova da materialidade do crime e indícios de autoria do delito ensejam na carência de justa causa para o início e prosseguimento de uma ação penal. E a falta de justa causa é motivo para a existência de coação ilegal e conseqüente impetração de habeas corpus com fundamento no artigo 648, I do Código de Processo Penal.
A nova redação dada ao código de processo penal pela lei 12.403/11 elenca diversas medidas cautelares que devem ser adotadas pelo juiz competente antes de decretar a prisão preventiva do acusado, as quais constam no artigo 319 do CPP:

Art. 319.  São medidas cautelares diversas da prisão: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
IX - monitoração eletrônica. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

Como foi demonstrado, a prisão preventiva deve ser dotada de excepcionalidade e não se transformar em regra, sob pena de serem criadas multidões carcerárias todos os dias.
Fato que não pode mais ocorrer é a aplicação da prisão processual sem a verificação de todas as possíveis medidas cautelares. A prisão preventiva passou a ser uma exceção e não regra (MORAIS E NASCIMENTO, 2011).
A alteração promovida pelo legislador no novo sistema de medidas cautelares dentro do processo penal, mesmo que não seja a ideal, é bem vinda. Pois adapta parte do velho código de processo penal aos princípios da constituição da república de 1.988 (BAPTISTA, 2011).
Nota-se que a recente mudança no ordenamento jurídico afastou ainda mais a possibilidade de referir-se à prisão preventiva como um desrespeito ao estado de inocência do acusado.

REFERÊNCIAS


______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 20 nov. 2011.


______. Decreto-lei nº 3.689 de 03 de outubro de 1941. Institui o Código de Processo Penal.


BAPTISTA, Henrique. Esperança de mudança. Revista Jurídica Visão Jurídica, São Paulo, n.65, p. 78-79, out. 2011.

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.


GOMES, Luiz Flávio. A lei das Medidas cautelares é um avanço?. Consultor Jurídico, 23 jun. 2011. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2011-jun-23/coluna-lfg-lei-medidas-cautelares-alternativas-avanco. Acesso em: 13 out  2011.


LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.


MORAIS, Paulo Iász de; NASCIMENTO, Felipe Pinheiros. A efetividade do princípio da presunção de inocência diante da nova lei de prisão e medidas cautelares nº 12.403, de 04.05.2011. Revista Síntese Direito Penal e Processual Penal , Porto Alegre-RS, n.69, p. 9-16, ago-set. 2011.

NORONHA, Magalhães. Curso de direito processual penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1983.


PEREIRA, Geraldo Lopes. Prisão preventiva e o estado de inocência. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2637, 20 set. 2010. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/17447. Acesso em: 11 maio 2011.

SILVA, Amaury; SANTOS, Felipe Miranda dos. Liberdade Provisória e outras medidas cautelares. Leme: J. H. Mizuno, 2011.


Extraído do artigo científico " O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA COMO GARANTIA PROCESSUAL PENAL" de Rafael Ferrari