terça-feira, 16 de julho de 2013

LEI MARIA DA PENHA: ANÁLISE À LUZ DO PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA

Autores: Rafael Ferrari - Bacharel em Direito
                  Maria Aparecida de Almeida - Advogada



Área do Direito: Direito Penal


Resumo: Ao longo do tempo, o Estado reconhece a fragilidade da mulher e cria normas penalizadoras a fim de tentar solucionar o problema em questão, com a finalidade de proteger o bem jurídico tutelado, e garantir a integridade física das mulheres.Dentro dessa premissa, podemos observar  a construção dos tipos penais cada vez mais coercitivo, buscando a imposição de penas privativas de liberdade. É com base nesses contornos iniciais, extrai-se a subsidiariedade do direito penal, sendo que outras medidas, não repressivas, poderiam ser eficazes a coibir as situações de violência em que o envolvimento tem relação de afeto, o que dificulta a aplicação da norma penal.

Palavras-chave: Lei Maria da Penha; Princípio da Intervenção Mínima;

Abstract: Over time, the State recognizes the fragility of women and creates regulations to penalize in order to try to solve the problem at hand, in order to protect the legal interests protected, and ensure the physical integrity of mulheres.Dentro this premise, we can observe the construction of criminal types increasingly coercive, seeking the imposition of custodial sentences. It is based on these initial contours, extracts the subsidiarity of criminal law, and other measures, not punitive, could be effective in curbing violence in situations of that involvement has a relationship of affection, which hinders the application of the standard criminal .
Keywords: Maria da Penha Law, Principle of Minimum Intervention

SUMÁRIO : Introdução. 1. Da suposta ineficácia da Lei especial.  2. Princípio da intervenção mínima.  Conclusão. Referências


INTRODUÇÃO


Com objetivo de proteger a mulher no âmbito das inúmeras formas de violência ocorridas no seio familiar foi criada a lei 11340/06. O diploma legal em tela foi denominado "Lei Maria da Penha" devido à homenagem feita para uma vítima que tornou-se símbolo da luta contra as violência doméstica.
 Desde a criação dessa norma uma miríade de questionamentos originou grandes polêmicas acerca da aplicação e alcance do dispositivo legal. A sociedade possui vários mecanismos de controle social como a igreja, grupos sociais, a coerção moral, assim como diversos ramos do direito de "esfera não penal". E quando todos esses mecanismos falham o Direito Penal deve atuar para garantir a dignidade da pessoa humana. Entretanto, o sistema de normas penais deve ser a "ultima ratio", e não a única forma de controle social.
Ocorre hodiernamente uma banalização do Direito Penal que deve ser tratado como a última alternativa de controle social. Pois é um ramo do direito constituído de penas rígidas, as quais culminam por inúmeras vezes no cerceamento da liberdade do individuo. Possivelmente possa existir outro meios de controlar o mal ocasionado pela violência domestica e coibis todas as formas de violações de direitos ocorridas do âmbito familiar.
A lei 11340/06 detém severas penas aos infratores em questão e controla com "mãos de ferro"  as situações elencadas. o presente estudo tem por objetivo analisar a aplicação do diploma jurídico em tela e efeitos nas relações familiares.
Assim, podendo concluir a respeito da eficácia da lei no cumprimento da missão de proteger a mulher: o personagem mais frágil nas relações domésticas. 
Trata-se de um assunto polêmico o qual insurge diversas correntes de pensamento. Todavia o presente trabalho não tem o fito de desaprovar uma norma penal, e sim, buscar mecanismos alternativos para reconstituir o núcleo familiar: base da sociedade.


1 Da suposta ineficácia da Lei especial


A par das críticas que se emergem acerca da eficácia da Lei Maria da Penha, propõe-se como medida a equilibrar o direito aplicável aos casos envolvendo violência familiar e doméstica contra a mulher os ditames da intervenção mínima.
Isso não só pela suposta ineficácia técnica da lei 11340/06, mas também pela inefetividade social, que muitas vezes não decorre só das imperfeições legislativas e supostas inconstitucionalidades apontados pelos juristas e mencionadas no presente trabalho, mas também, e principalmente, pela intervenção da Justiça Criminal, em detrimento das instâncias que, embora não-repressivas, poderiam ser eficazes a coibir situação de violência em que os envolvidos têm relação de afeto, o que dificulta em demasiado a aplicação de medidas criminais nesse sentido.
Assim, apresentam-se primeiramente os dados obtidos na pesquisa de documentação direta, para, a seguir, contextualizar o princípio  (ou critério) da intervenção mínima, demonstrando o quanto a aplicação deste pode contribuir para que as ações afirmativas previstas na Lei Maria da Penha possam cumprir o papel desejado pelo legislador: equiparar substancialmente os gêneros masculino e feminino.


2 Princípio da intervenção mínima


Após a Revolução Francesa e  a Declaração os Direitos do Homem e do Cidadão, insurgiu o Estado Democrático de Direito, onde permanece o domínio da lei que se apresenta de forma abstrata e genérica com o fito de obter o convívio em sociedade (SIQUEIRA, 2010).
No Estado Democrático de Direito a autoridade decorre do ordenamento jurídico, pode se afirmar que é a lei que determina como deve ser a conduta das pessoas que possuem liberdade de agir que somente é violada quando for colocado em risco um valor superior, como por exemplo a vida (SIQUEIRA, 2010).  
Seguindo esse raciocínio, assim como outros ramos do Direito como o Direito Administrativo e o Direito Civil, o Direito Penal é uma das formas utilizadas para o controle social. Todavia, a sanção no âmbito penal deve ser considerada a mais grave de todas, pois há possibilidade da privação da liberdade da pessoa. Por este motivo o Direito Penal deve ser aplicado quando nem um outro ramo do direito for capaz de regular o direito, isto é, somente quando forem insuficientes a aplicação dos demais ramos do direito. Por este motivo o Direito Penal é considerado a ultima ratio (AZEVEDO, 2011).
Nesse diapasão, o Direito Penal deve ser um meio necessário de proteção do bem jurídico.No momento em que os outros meios de controle social formais ou informais que sejam menos lesivos aos direitos individuais puderem ser utilizados como instrumento de controle social a tutela penal deixa de ser necessária. Neste sentido o Direito Penal não deve buscar a maior prevenção possível, mais o mínimo de prevenção indispensável (AZEVEDO, 2011).
Azevedo (2011) ainda tece considerações acerca do principio em pauta: Alguns autores tratam o principio da intervenção mínima como gênero, tendo como espécies os princípios da fragmentariedade e subsidiariedade. (AZEVEDO, 2010 p. 28).
Em primeiro plano, a finalidade do direito penal é preventiva, ou seja, evitar o crime, fazendo-o através de modelos de comportamentos humanos, revelando ao legislador a imposição do que deve fazer ou deixar de fazer.
Nesse sentido a doutrina:

O Direito Penal só atua para proteger os bens jurídicos não suficientemente protegidos pelos outros ramos do Direito, desde tais bens jurídicos sejam salutares à vida em sociedade. É um princípio limitador do poder de punir do Estado. O poder punitivo do Estado deve estar regido e limitado pelo princípio da intervenção mínima. O Direito Penal somente deve intervir nos casos de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes. As perturbações mais leves do ordenamento jurídico são objeto de outros ramos do Direito.
O princípio da intervenção mínima, ou ultima ratio, assim como possui o condão de identificar os bens jurídicos mais relevantes, merecedores de proteção pelo Direito Penal, também é o responsável pelo movimento oposto, ou seja, identificar quais os bens jurídicos carecedores de importância à luz do Direito Penal. A esse fenômeno dá-se o nome de DESCRIMINALIZAÇÃO.. (GRECO, 2004 p. 12)

Nessbe diapasão leciona Prado (2008):

O Princípio da intervenção mínima ou da subsidiariedade  decorrente das idéias de necessidade e de utilidade da intervenção penal, presentes no pensamento ilustrado estabelece que o direito penal  só deve atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis a coexistência pacifica dos homens e que não podem  ser eficazmente protegidos de forma menos gravosa. Isso porque a sanção penal reveste-se de especial gravidade, acabando por impor as mais sérias restrições aos direitos fundamentais.
Nesses termos, a intervenção da lei penal só poderá ocorrer quando for absolutamente necessária para a sobrevivência da comunidade – como ultima ratio legis – ficando reduzida a um mínimo imprescindível. E de preferência, só deverá fazê-lo na medida em que for capaz de ter eficácia. (PRADO, 2008 p.138)

Ainda nessa senda Capez:

e) Intervenção mínima:  assenta-se na Declaração de Direitos do homem e do Cidadão, de 1789, cujo o art. 8º que a lei só deve prever as penas estritamente necessárias.
(...)
Somente haverá Direito Penal naqueles raros episódios típicos em que a lei descreve um fato como crime: ao contrario, quando ela nada disser, não haverá espaço para atuação criminal. Nisso, alias, consiste a principal proteção política do cidadão em face do poder punitivo estatal, qual seja, a de que somente poderá ter invadida sua esfera da liberdade, se realizar uma conduta descrita em um daqueles raros pontos onde a lei definiu a existência de uma infração penal. (CAPEZ, 2011 p. 36) (grifo no original).

Consubstanciado nos estudos doutrinários carreados, extrai-se das assertivas acima, a subsidiariedade do direito penal, devendo ser aplicado às situações extremas, externadas pela sociedade e demonstratada a necessária a imposição coercitiva estatal. 
Pode-se observar que as mulheres vem sendo historicamente vitimizadas pela opressão masculina que se desenvolve das mais variadas formas, instaurando um problema social.
Assim, diante de todo o exposto, a legislação em comento, Lei 11.340/06, buscou suas raízes em problemas sociais, oriundos dos primórdios da civilização, usando o poder coercitivo estatal para tentar sanar a discriminação em desfavor das mulheres atreladas à submissão historicamente imposta.
Destarte, com a vigência da Lei especial, o Estado buscou no direito penal, que deveria ser “ultima ratio”, para solucionar contenda historicamente imposta pela sociedade.
Nessa senda, considerando que as vítimas não almejam a imposição coercitiva do direito penal, a aplicabilidade da Lei 11340/06, se mostrou infrutífera, desnecessária, invasiva face à natureza social vislumbrada.
A vítima no calor dos fatos solicita a força estatal que retira o agressor do seio familiar, trazendo à família enorme sofrimento, motivo pelo qual a vítima retrata-se, às vezes intempestivamente, - após o recebimento da denuncia, passando o Estado a figurar como coator externando a vontade de punir que a própria vítima já não o tem.
O Estado deveria dispor de outros ramos do direito para coibir práticas de violência contra as mulheres, sendo desnecessária a utilização do Penal, que possui função subsidiária e fragmentária, se pautando pela intervenção mínima ou última ratio.
Imperioso discorrer sobre o princípio da intervenção mínima, que  tem seu alicerce em limitar o poder de coercitivo estatal, considerando que somente se deve socorrer ao direito penal quando os demais ramos se mostrarem insuficientes.
A solução dos problemas familiares não esta veiculada ao direito penal, e sim ao desenvolvimento de programas sociais buscando erradicar o problema, seja dependência química ou distúrbios psicológicos que irradiam violência.
Não obstante isso, necessário se faz mencionar o pensamento de Pereira (2011):

A política criminal deve ser utilizada visando a solução definitiva de problemas para previnir e não como medida paliativa  para reprimir a criminalidade, conforme se extrai dos trechos adiante de uma entrevista concedida pela Professora Alice Bianchine:

(...) enquanto não se perceber que a melhor política criminal é a social, não se avançara muito sobre o assunto segurança publica (...) .

Voltando ao assunto “Pacote da Segurança”,  percebe-se que as ações são muito tímidas e prestigiam e prestigiam o momento posterior ao crime ou aspectos ligados a repressão. Novamente não se vai  raiz do problema.

Ações de cunho preventivo é que devem ser desentranhadas, planejadas e implementadas,para minimizar o quadro de violência em nosso país.Há necessidade de se compreender que as medidas de cunho repressivo, alem de atuarem quando crime (violência) já foi perpetrado,não são capazes de devolver a tão justa e merecida tranqüilidade social. (PEREIRA, 2011)

           
Imperioso ressaltar que legislação, no que tange à proteção da mulher, tem por finalidade garantir os Direitos Fundamentais da Pessoa Humana, aduzindo mecanismos de contenção a violência doméstica, por outro lado, a maioria das vítimas não almejam a pena privativa de liberdade para seus companheiros, conforme podemos constar no percentual trazido a baila sede de conclusão.
Este raciocínio abrange a essência da Declaração Universal dos Direitos Humanos a qual exprime em seu artigo primeiro que todas as pessoa nascem livres e iguais em dignidade e direitos, e são dotadas de razão e consciência, devendo agir em relação umas as outras com espírito de fraternidade, sendo garantido no artigo 3º à toda pessoa os direitos à vida, à liberdade e à segurança pessoal (DUDH, artigos 1,3).

CONCLUSÃO

Face à análise da lei 11340/06 à luz do principio da intervenção mínima  onde o Direito Penal disciplina condutas delituosas mais gravosas, não deveria intervir no seio familiar de forma tão evasiva e referida lei. Eis que cabalmente o presente trabalho demonstrou que as questões afetas a violência doméstica são oriundos dos problemas sociais, vícios, dependência econômica,  machismo, dentre outros fatores, prova maior que as vitimas não almejam imposição de penas muitas vezes.
Pois a rigidez de uma norma penal é um eficaz mecanismo de prevenção, mas pode tornar-se um eventual fim a uma família que poderia reconstituir-se. O poder público deveria investir em meios alternativos de recuperação do núcleo familiar o qual constitui a base da sociedade.


REFERÊNCIAS


AZEVEDO, Marcelo André de. Coleção de sinopses para concursos:Direito Penal, parte geral. São Paulo: Jus Podvm, 2011.


BRASIL. Decreto  nº 11.340 de 7 de agosto de 2006. Institui a criação de mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.


CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Especial. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.


GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004.


MATOS, Joana Sarmento de; SIQUEIRA, Alessandro Marques de. Política criminal e intervenção mínima. Jus Navigandi, 15 out. 2010. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/17629/politica-criminal-e-intervencao-minima. Acesso em: 10 nov  2011.


ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Declara%C3%A7%C3%A3o-Universal-dos-Direitos-Humanos/declaracao-universal-dos-direitos-humanos.html>. Acesso em: 10 nov. 2011.


PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal brasileiro , parte geral: arts 1º a 120º. 8. ed. Revista dos Tribunais, 2011. v1.

PEREIRA, Geraldo Lopes. Possibilidade de um lei especifica dispor sobre institutos processuais penais de forma diferencia por critérios de política criminal. Universidade Anhanguera - UNIDERP, São Paulo,  nov 2011.