3º PARTE (Do Artigo Científico " O Princípio Da Presunção De Inocência Como
Garantia Processual Penal")
RAFAEL FERRARI
Segundo
Fernando Capez (2009), prisão preventiva é prisão cautelar de natureza
processual decretada pelo juiz durante o inquérito policial ou processo
criminal. Sendo realizada esta prisão antes do trânsito em julgado de sentença
penal condenatória. E sempre que estiverem preenchidos os requisitos legais e
ocorrerem os motivos autorizadores.
Ainda
neste sentido, prisão preventiva é uma modalidade de prisão cautelar a ser decretada
pela autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento das partes,
representação do Ministério Público ou da autoridade policial em qualquer etapa
da persecução penal. Ainda que não exista a instauração do inquérito policial,
sendo esta uma novidade trazida pela lei 12.403/11. E o embasamento para a
decretação da prisão preventiva constitui aspecto que a Constituição Federal
atribuiu ao legislador infraconstitucional no momento em que estabeleceu apenas
uma formula genérica que é a necessidade de fundamentação judicial conforme
art. 5º, LXI, CF (SILVA e SANTOS, 2011).
Os fundamentos
ou requisitos exigidos para a decretação da prisão preventiva do acusado pela
prática de uma infração penal, garantindo todos os direitos constitucionais, em
especial a presunção de inocência, estão elencados tais requisitos no artigo
312 do Código de Processo Penal que foi complementado com o advento da Lei
12.403/11:
Art.
312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem
pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para
assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime
e indício suficiente de autoria. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
Neste
prisma, vejamos o entendimento de Pereira em artigo publicado em data de vinte
de setembro de 2010 que mostra-se bastante atual apesar da mudança no texto
normativo:
Assim, embora sem
trânsito em julgado da sentença condenatória, há compatibilidade entre a prisão
preventiva e o estado de inocência, devendo, entretanto, ficar comprovada a
presença dos pressupostos (prova da existência do crime e indício suficiente de
autoria) e requisitos (garantia da ordem pública, da ordem econômica, por
conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal)
que a autorizam.
Disso se extrai que a
liberdade é a regra e a prisão exceção, sendo imprescindível, então, demonstrar
que a decretação da prisão preventiva se amolda, concretamente, à previsão do
art. 312 do Código de Processo Penal, sob pena de coação ilegal, passível de
correção por via de ordem de habeas corpus. (PEREIRA, 2010)
Importante
observar que o legislador manteve na nova redação do artigo 312 do Código de
Processo Penal dada pela lei 12.403/11 a garantia da ordem pública como um dos
fundamentos para a prisão preventiva. Diversos doutrinadores tentaram definir o
termo "garantia da ordem pública". Contudo não tiveram sucesso, pois
a justiça não pode punir de forma antecipada, com base nos sentimentos de
revolta da população nos crimes de grande repercussão, sob pena de incorrer em
abuso de poder e violação das garantias constitucionais (MORAIS e NASCIMENTO,
2011).
Lenza
(2011), ainda explica o fato de a prisão do acusado, antes do trânsito de
sentença penal condenatória, contrariar o princípio constitucional da presunção
de inocência. Todavia, existem hipóteses expressamente previstas em lei que
permitem a prisão cautelar conforme podemos perceber nas lições já mencionadas.
Noutro
giro, conforme o pensamento de Magalhães Noronha (1983), a prisão do acusado
antes de ter sido realizado um julgamento só pode se inspirar em uma razão de
necessidade, pois a restrição do cidadão de sua liberdade faz pesar sobre ele a
privação do crime, causando ao mesmo e sua família despesas, perdas e
sacrifícios.
Todavia,
pode-se afirmar o fato de o instituto da prisão preventiva não ferir a garantia
constitucional da inocência presumida. Uma vez que seja realizada de acordo com
as formalidades e necessidades expressas em nosso ordenamento jurídico em
consonância com os parâmetros constitucionais.
A prisão
preventiva não tem qualquer incompatibilidade com o princípio constitucional da
inocência presumida. Devendo existir os pressupostos e requisitos necessários à
sua possibilidade de execução.
A nova redação do Código
de Processo Penal trazida com o advento da lei 12.403/11 trouxe no artigo 313 condições
de admissibilidade, ou seja, as hipóteses para a decretação de prisão
preventiva como pode ser observado a seguir:
Art.
313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da
prisão preventiva: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
I - nos crimes
dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro)
anos; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
II - se tiver sido
condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado
o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no
2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
III - se o crime
envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente,
idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas
protetivas de urgência; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
IV
- (revogado). (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
(Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).
Parágrafo
único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida
sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos
suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em
liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção
da medida. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
A redação do diploma legal
em estudo pode acalorar a discussão acerca de um possível desrespeito à
presunção de inocência do réu no que tange ao instituto da prisão preventiva.
Conforme lição de Silva e
Santos (2011), talvez seja o maior retrocesso trazido ao Código de Processo
Penal com o advento da lei 12.403/11 foi a manutenção com alma nova da prisão
preventiva visando à identificação da pessoa. Houve a mutação do antigo artigo
313, II , segunda parte do CPP para o parágrafo único do mesmo artigo, trazido
pelo novo diploma legal.
Com a redação do atual
artigo tornou-se nítida a inconstitucionalidade do instituto denominado prisão
para averiguação. A Constituição Federal deu importância à necessidade de
identificação criminal, como um postulado fundamental ao exercício da
cidadania. Entretanto, para aquele que se depara com a necessidade de uma
identificação criminal, o artigo 5º, LVIII, CF guardou o direito de o cidadão
se identificar civilmente, e não ser submetido à identificação criminal, salvo
em situações previstas em lei (SILVA e SANTOS, 2011).
Neste enfoque, o cidadão
que não apresenta identificação civil, irá se sujeitar à criminal. E mesmo que
ele apresente sua identificação civil, caso continue alguma dúvida, poderá ser
criminalmente identificado (SILVA e SANTOS, 2011).
Por este motivo, o
dispositivo normativo em enfoque ultrapassa da cautela constitucional da
necessidade de identificação criminal, e cria uma situação mais dura de
restrição da liberdade. Este fato soa como um ato arbitrário e incompatível com
o processo penal que tem como base os direitos humanos (SILVA e SANTOS, 2011).
Os autores ainda
complementam seu comentário: "Prender para identificar, sem outras razões,
significa sobrepor o direito penal do autor à perspectivo de culpabilidade."
(SILVA e SANTOS, 2011 p. 36)
Mesmo à luz da legislação
antiga do dispositivo legal em destaque, a doutrina a jurisprudência já
manifestavam repúdio à possibilidade de decretação de prisão preventiva
naquelas circunstâncias. Principalmente em virtude da desproporção da medida
perante à situação de fato subjacente que lhe permitia a incidência (SILVA e
SANTOS, 2011).
A doutrina em estudo ainda
acrescenta acerca de seu posicionamento: "Mas, com a redação atual mais
nítida e evidente ficou a inconstitucionalidade da prisão para averiguação."
(SILVA e SANTOS, 2011, p. 36)
O instituto da prisão para
averiguação pode ser notado um aparente anacronismo no corpo do texto
normativo. Ainda que possa parecer um fato isolado. A Constituição Federal de
1.988 prevê que a liberdade é a regra e a prisão exceção, não bastando, assim,
a fundamentação abstrata para a manutenção de um cerceamento de liberdade por
parte do Estado. Devendo o Magistrado demonstrar concretamente a sua
imprescindibilidade, já que o encarceramento provisório é a extrema
medida a ser adotada, conforme leciona Luiz Flávio Gomes ao comentar a Lei n.º
12.403/11:
A Lei 12.403/11, que dispõe que o juiz, antes de decretar a prisão
preventiva, deve analisar se cabíveis outras medidas cautelares alternativas,
constitui um avanço ou um retrocesso? Dois grupos (ideologicamente definidos)
já se formaram: para quem concebe que não existe direito penal sem cadeia, a
lei é um retrocesso. Para os que veem a cadeia como a “extrema ratio” (extrema
medida) da “ultima ratio” (que é o direito penal), a lei é digna de aplausos.
A nova lei (de acordo com nossa visão) nada mais faz que enfatizar o
que já se extrai da Constituição Federal: a liberdade é a regra, a prisão é
exceção. Para se prender alguém presumido inocente é preciso que todos os
requisitos da prisão preventiva estejam presentes.(GOMES, 2011)
Nesse rumo, a decisão de
uma prisão não fundamentada conforme a nova lei fere a Constituição Federal de
1988. Considerando que cumpre à autoridade competente analisar definitivamente
a necessidade de aplicação de alguma medida cautelar, preferindo, dentre elas,
as restritivas de direitos e, somente último caso, após justificar o
descabimento das outras, decretar a prisão preventiva.
O artigo 93, IX da Lei
Maior destaca a necessidade da fundamentação das decisões judiciais para melhor
garantir a transparência das decisões judiciais:
IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos,
e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar
a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou
somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do
interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de
2004)
Importante é salientar que
a decisão de prisão pela autoridade competente deve ser devidamente
fundamentada e obrigatoriamente carece de fundamentação criteriosa conforme o
ordenamento jurídico e a situação fática. Pois, a prisão ilegal deve ser
relaxada imediatamente estando passível de ser atacada mediante a impetração de
Habeas Corpus. Para melhor
fundamentar este entendimento, cabe a
análise o inciso LXVII do artigo 5º da Constituição Federal:
LXVIII -
conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar
ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por
ilegalidade ou abuso de poder;
Neste sentido o artigo 647
do Código de Processo Penal:
Art. 647. Dar-se-á
habeas corpus sempre que alguém
sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua
liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.
Diante do vigente ordenamento
jurídico a jurisprudência dominante a não comprovação da prova da materialidade
do crime e indícios de autoria do delito ensejam na carência de justa causa
para o início e prosseguimento de uma ação penal. E a falta de justa causa é
motivo para a existência de coação ilegal e conseqüente impetração de habeas corpus com fundamento no artigo
648, I do Código de Processo Penal.
A nova redação dada ao
código de processo penal pela lei 12.403/11 elenca diversas medidas cautelares
que devem ser adotadas pelo juiz competente antes de decretar a prisão
preventiva do acusado, as quais constam no artigo 319 do CPP:
Art. 319. São
medidas cautelares diversas da prisão: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
I - comparecimento
periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e
justificar atividades; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
II - proibição de
acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias
relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses
locais para evitar o risco de novas infrações; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
III - proibição de
manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas
ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
IV - proibição de
ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para
a investigação ou instrução; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
V - recolhimento
domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou
acusado tenha residência e trabalho fixos; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
VI - suspensão do
exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira
quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações
penais; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
VII - internação
provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave
ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26
do Código Penal) e houver risco de reiteração; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
VIII - fiança, nas
infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo,
evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à
ordem judicial; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
IX - monitoração
eletrônica. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
Como foi demonstrado, a
prisão preventiva deve ser dotada de excepcionalidade e não se transformar em
regra, sob pena de serem criadas multidões carcerárias todos os dias.
Fato que não pode mais
ocorrer é a aplicação da prisão processual sem a verificação de todas as
possíveis medidas cautelares. A prisão preventiva passou a ser uma exceção e
não regra (MORAIS E NASCIMENTO, 2011).
A alteração promovida pelo
legislador no novo sistema de medidas cautelares dentro do processo penal,
mesmo que não seja a ideal, é bem vinda. Pois adapta parte do velho código de
processo penal aos princípios da constituição da república de 1.988 (BAPTISTA,
2011).
Nota-se que a recente
mudança no ordenamento jurídico afastou ainda mais a possibilidade de
referir-se à prisão preventiva como um desrespeito ao estado de inocência do
acusado.
REFERÊNCIAS
______.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da República Federativa
do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 20 nov. 2011.
______.
Decreto-lei nº 3.689 de 03 de outubro de 1941. Institui o Código de Processo
Penal.
CAPEZ,
Fernando. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
LENZA,
Pedro. Direito Constitucional
Esquematizado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
SILVA,
Amaury; SANTOS, Felipe Miranda dos. Liberdade
Provisória e outras medidas cautelares. Leme: J. H. Mizuno, 2011.
Extraído do artigo
científico " O PRINCÍPIO DA
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA COMO GARANTIA PROCESSUAL PENAL" de Rafael Ferrari