Autores: Rafael Ferrari - Bacharel em Direito
Maria Aparecida de Almeida -
Advogada
Área do Direito: Direito Penal
Resumo: Ao longo do
tempo, o Estado reconhece a fragilidade da mulher e cria normas penalizadoras a
fim de tentar solucionar o problema em questão, com a finalidade de proteger o
bem jurídico tutelado, e garantir a integridade física das mulheres.Dentro
dessa premissa, podemos observar a
construção dos tipos penais cada vez mais coercitivo, buscando a imposição de
penas privativas de liberdade. É com base nesses contornos iniciais, extrai-se
a subsidiariedade do direito penal, sendo que outras medidas, não repressivas,
poderiam ser eficazes a coibir as situações de violência em que o envolvimento
tem relação de afeto, o que dificulta a aplicação da norma penal.
Palavras-chave: Lei Maria da Penha; Princípio da Intervenção Mínima;
Abstract: Over time, the State
recognizes the fragility of women and creates regulations to penalize in order
to try to solve the problem at hand, in order to protect the legal interests
protected, and ensure the physical integrity of mulheres.Dentro this premise, we
can observe the construction of criminal types increasingly coercive, seeking
the imposition of custodial sentences. It is based on these initial contours,
extracts the subsidiarity of criminal law, and other measures, not punitive,
could be effective in curbing violence in situations of that involvement has a
relationship of affection, which hinders the application of the standard
criminal .
Keywords: Maria da Penha Law, Principle
of Minimum Intervention
SUMÁRIO : Introdução. 1. Da
suposta ineficácia da Lei especial.
2. Princípio
da intervenção mínima.
Conclusão. Referências
INTRODUÇÃO
Com objetivo de
proteger a mulher no âmbito das inúmeras formas de violência ocorridas no seio
familiar foi criada a lei 11340/06. O diploma legal em tela foi denominado "Lei Maria da
Penha" devido à homenagem feita para uma vítima que tornou-se símbolo da luta contra as violência doméstica.
Desde a criação dessa norma uma miríade de
questionamentos originou grandes polêmicas acerca da aplicação e alcance do
dispositivo legal. A sociedade possui vários mecanismos de controle social como
a igreja, grupos sociais, a coerção moral, assim como diversos ramos do direito de "esfera não penal".
E quando todos esses mecanismos falham o Direito Penal deve atuar para garantir
a dignidade da pessoa humana. Entretanto, o sistema de normas penais deve ser a "ultima ratio", e não a única forma de controle social.
Ocorre hodiernamente
uma banalização do Direito Penal que deve ser tratado como a última alternativa
de controle social. Pois é um ramo do direito constituído de penas rígidas, as
quais culminam por inúmeras vezes no cerceamento da liberdade do individuo. Possivelmente
possa existir outro meios de controlar o mal ocasionado pela violência
domestica e coibis todas as formas de violações de direitos ocorridas do âmbito
familiar.
A lei 11340/06 detém
severas penas aos infratores em questão e controla com "mãos de
ferro" as situações elencadas. o
presente estudo tem por objetivo analisar a aplicação do diploma jurídico em
tela e efeitos nas relações familiares.
Assim, podendo
concluir a respeito da eficácia da lei no cumprimento da missão de proteger a
mulher: o personagem mais frágil nas relações domésticas.
Trata-se de um
assunto polêmico o qual insurge diversas correntes de pensamento. Todavia o
presente trabalho não tem o fito de desaprovar uma norma penal, e sim, buscar
mecanismos alternativos para reconstituir o núcleo familiar: base da sociedade.
1 Da suposta ineficácia da Lei especial
A par das críticas
que se emergem acerca da eficácia da Lei Maria da Penha, propõe-se como medida
a equilibrar o direito aplicável aos casos envolvendo violência familiar e
doméstica contra a mulher os ditames da intervenção mínima.
Isso não só pela
suposta ineficácia técnica da lei 11340/06, mas também pela inefetividade
social, que muitas vezes não decorre só das imperfeições legislativas e
supostas inconstitucionalidades apontados pelos juristas e mencionadas no
presente trabalho, mas também, e principalmente, pela intervenção da Justiça
Criminal, em detrimento das instâncias que, embora não-repressivas, poderiam
ser eficazes a coibir situação de violência em que os envolvidos têm relação de
afeto, o que dificulta em demasiado a aplicação de medidas criminais nesse
sentido.
Assim, apresentam-se
primeiramente os dados obtidos na pesquisa de documentação direta, para, a
seguir, contextualizar o princípio (ou
critério) da intervenção mínima, demonstrando o quanto a aplicação deste pode
contribuir para que as ações afirmativas previstas na Lei Maria da Penha possam
cumprir o papel desejado pelo legislador: equiparar substancialmente os gêneros
masculino e feminino.
2 Princípio da intervenção mínima
Após a Revolução
Francesa e a Declaração os Direitos do
Homem e do Cidadão, insurgiu o Estado Democrático de Direito, onde permanece o
domínio da lei que se apresenta de forma abstrata e genérica com o fito de
obter o convívio em sociedade (SIQUEIRA, 2010).
No Estado Democrático
de Direito a autoridade decorre do ordenamento jurídico, pode se afirmar que é
a lei que determina como deve ser a conduta das pessoas que possuem liberdade
de agir que somente é violada quando for colocado em risco um valor superior,
como por exemplo a vida (SIQUEIRA, 2010).
Seguindo esse
raciocínio, assim como outros ramos do Direito como o Direito Administrativo e
o Direito Civil, o Direito Penal é uma das formas utilizadas para o controle social.
Todavia, a sanção no âmbito penal deve ser considerada a mais grave de todas,
pois há possibilidade da privação da liberdade da pessoa. Por este motivo o
Direito Penal deve ser aplicado quando nem um outro ramo do direito for capaz
de regular o direito, isto é, somente quando forem insuficientes a aplicação
dos demais ramos do direito. Por este motivo o Direito Penal é considerado a ultima ratio (AZEVEDO, 2011).
Nesse diapasão, o
Direito Penal deve ser um meio necessário de proteção do bem jurídico.No
momento em que os outros meios de controle social formais ou informais que
sejam menos lesivos aos direitos individuais puderem ser utilizados como
instrumento de controle social a tutela penal deixa de ser necessária. Neste
sentido o Direito Penal não deve buscar a maior prevenção possível, mais o
mínimo de prevenção indispensável (AZEVEDO, 2011).
Azevedo (2011) ainda
tece considerações acerca do principio em pauta: Alguns autores tratam o
principio da intervenção mínima como gênero, tendo como espécies os princípios
da fragmentariedade e subsidiariedade. (AZEVEDO, 2010 p. 28).
Em primeiro plano, a finalidade do direito
penal é preventiva, ou seja, evitar o crime, fazendo-o através de modelos de
comportamentos humanos, revelando ao legislador a imposição do que deve fazer
ou deixar de fazer.
Nesse sentido a doutrina:
O Direito Penal só atua para proteger os bens jurídicos não
suficientemente protegidos pelos outros ramos do Direito, desde tais bens
jurídicos sejam salutares à vida em sociedade. É um princípio limitador do
poder de punir do Estado. O poder punitivo do Estado deve estar regido e
limitado pelo princípio da intervenção mínima. O Direito Penal somente deve
intervir nos casos de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes.
As perturbações mais leves do ordenamento jurídico são objeto de outros ramos
do Direito.
O princípio da intervenção mínima, ou ultima ratio, assim como
possui o condão de identificar os bens jurídicos mais relevantes, merecedores
de proteção pelo Direito Penal, também é o responsável pelo movimento oposto,
ou seja, identificar quais os bens jurídicos carecedores de importância à luz
do Direito Penal. A esse fenômeno dá-se o nome de DESCRIMINALIZAÇÃO.. (GRECO,
2004 p. 12)
Nessbe diapasão leciona Prado (2008):
O
Princípio da intervenção mínima ou da
subsidiariedade decorrente das idéias de
necessidade e de utilidade da intervenção penal, presentes no pensamento
ilustrado estabelece que o direito penal
só deve atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis a
coexistência pacifica dos homens e que não podem ser eficazmente protegidos de forma menos
gravosa. Isso porque a sanção penal reveste-se de especial gravidade, acabando
por impor as mais sérias restrições aos direitos fundamentais.
Nesses
termos, a intervenção da lei penal só poderá ocorrer quando for absolutamente
necessária para a sobrevivência da comunidade – como ultima ratio legis –
ficando reduzida a um mínimo imprescindível. E de preferência, só deverá
fazê-lo na medida em que for capaz de ter eficácia. (PRADO, 2008 p.138)
Ainda nessa senda Capez:
e) Intervenção mínima: assenta-se na Declaração de Direitos do
homem e do Cidadão, de 1789, cujo o art. 8º que a lei só deve prever as penas
estritamente necessárias.
(...)
Somente
haverá Direito Penal naqueles raros episódios típicos em que a lei descreve um
fato como crime: ao contrario, quando ela nada disser, não haverá espaço para
atuação criminal. Nisso, alias, consiste a principal proteção política do
cidadão em face do poder punitivo estatal, qual seja, a de que somente poderá
ter invadida sua esfera da liberdade, se realizar uma conduta descrita em um
daqueles raros pontos onde a lei definiu a existência de uma infração penal.
(CAPEZ, 2011 p. 36) (grifo no original).
Consubstanciado nos estudos
doutrinários carreados, extrai-se das assertivas acima, a subsidiariedade do
direito penal, devendo ser aplicado às situações extremas, externadas pela
sociedade e demonstratada a necessária a imposição coercitiva estatal.
Pode-se observar que as mulheres
vem sendo historicamente vitimizadas pela opressão masculina que se desenvolve
das mais variadas formas, instaurando um problema social.
Assim, diante de todo o exposto, a legislação em comento, Lei 11.340/06, buscou suas raízes
em problemas sociais, oriundos dos primórdios da civilização, usando o poder
coercitivo estatal para tentar sanar a discriminação em desfavor das mulheres
atreladas à submissão historicamente imposta.
Destarte, com a vigência da Lei
especial, o Estado buscou no direito penal, que deveria ser “ultima ratio”, para solucionar contenda
historicamente imposta pela sociedade.
Nessa senda, considerando que as vítimas não
almejam a imposição coercitiva do direito penal, a aplicabilidade da Lei
11340/06, se mostrou infrutífera, desnecessária, invasiva face à natureza
social vislumbrada.
A vítima no calor dos fatos solicita a força
estatal que retira o agressor do seio familiar, trazendo à família enorme
sofrimento, motivo pelo qual a vítima retrata-se, às vezes intempestivamente, -
após o recebimento da denuncia, passando o Estado a figurar como coator
externando a vontade de punir que a própria vítima já não o tem.
O
Estado deveria dispor de outros ramos do direito para coibir práticas de
violência contra as mulheres, sendo desnecessária a utilização do Penal, que
possui função subsidiária e fragmentária, se pautando pela intervenção mínima
ou última ratio.
Imperioso
discorrer sobre o princípio da intervenção mínima, que tem seu alicerce em limitar o poder de
coercitivo estatal, considerando que somente se deve socorrer ao direito penal
quando os demais ramos se mostrarem insuficientes.
A
solução dos problemas familiares não esta veiculada ao direito penal, e sim ao
desenvolvimento de programas sociais buscando erradicar o problema, seja dependência
química ou distúrbios psicológicos que irradiam violência.
Não
obstante isso, necessário se faz mencionar o pensamento de Pereira (2011):
A política criminal deve ser utilizada visando a solução
definitiva de problemas para previnir e não como medida paliativa para reprimir a criminalidade, conforme se
extrai dos trechos adiante de uma entrevista concedida pela Professora Alice
Bianchine:
(...) enquanto não se perceber que a melhor política criminal é a
social, não se avançara muito sobre o assunto segurança publica (...) .
Voltando ao assunto “Pacote da Segurança”, percebe-se que as ações são muito tímidas e
prestigiam e prestigiam o momento posterior ao crime ou aspectos ligados a
repressão. Novamente não se vai raiz do
problema.
Ações de cunho preventivo é que devem ser desentranhadas,
planejadas e implementadas,para minimizar o quadro de violência em nosso
país.Há necessidade de se compreender que as medidas de cunho repressivo, alem
de atuarem quando crime (violência) já foi perpetrado,não são capazes de
devolver a tão justa e merecida tranqüilidade social. (PEREIRA, 2011)
Imperioso
ressaltar que legislação, no que tange à proteção da mulher, tem por finalidade
garantir os Direitos Fundamentais da Pessoa Humana, aduzindo mecanismos de
contenção a violência doméstica, por outro lado, a maioria das vítimas não
almejam a pena privativa de liberdade para seus companheiros, conforme podemos
constar no percentual trazido a baila sede de conclusão.
Este
raciocínio abrange a essência da Declaração Universal dos Direitos Humanos a
qual exprime em seu artigo primeiro que todas as pessoa nascem livres e iguais
em dignidade e direitos, e são dotadas de razão e consciência, devendo agir em
relação umas as outras com espírito de fraternidade, sendo garantido no artigo
3º à toda pessoa os direitos à vida, à liberdade e à segurança pessoal (DUDH,
artigos 1,3).
CONCLUSÃO
Face à análise da lei 11340/06 à luz do
principio da intervenção mínima onde o
Direito Penal disciplina condutas delituosas mais gravosas, não deveria
intervir no seio familiar de forma tão evasiva e referida lei. Eis que
cabalmente o presente trabalho demonstrou que as questões afetas a violência
doméstica são oriundos dos problemas sociais, vícios, dependência
econômica, machismo, dentre outros
fatores, prova maior que as vitimas não almejam imposição de penas muitas
vezes.
Pois a rigidez de uma norma penal é um eficaz
mecanismo de prevenção, mas pode tornar-se um eventual fim a uma família que
poderia reconstituir-se. O poder público deveria investir em meios alternativos
de recuperação do núcleo familiar o qual constitui a base da sociedade.
REFERÊNCIAS
BRASIL.
Decreto
nº 11.340 de 7 de agosto de 2006. Institui a criação de mecanismos
para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
CAPEZ,
Fernando. Curso de Direito Penal. Parte
Especial. 8. ed. São Paulo:
Saraiva, 2008.
GRECO,
Rogério. Curso de direito penal. 4.
ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004.
ORGANIZAÇÃO
DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Declara%C3%A7%C3%A3o-Universal-dos-Direitos-Humanos/declaracao-universal-dos-direitos-humanos.html>.
Acesso em: 10 nov. 2011.