1º
PARTE
RAFAEL
FERRARI
INTRODUÇÃO
Em conjunto com as demais
garantias constitucionais, o princípio da inocência presumida garante ao acusado
pela prática de uma infração penal um julgamento justo, conforme o espírito de
um Estado Democrático de Direito.
A Constituição Federal
apresenta o princípio da presunção de inocência em seu rol de direitos e
garantias constitucionais de forma positivada como pode-se observar:
Art. 5. Todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes.(EC nº 45/2004)
LVII- ninguém será
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
De acordo com Moraes, em regra, direitos constitucionais
definidos como direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia
e aplicabilidade imediata. E a própria Constituição Federal, em uma norma
síntese, determina esse fato, expressando que as normas definidoras dos
direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata (MORAES, 2007).
Alexandre de Moraes (2007)
leciona que o princípio da presunção de inocência é um dos princípios basilares
do Estado de Direito. E como garantia processual penal, visa à tutela da liberdade pessoal, salientando a
necessidade de o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo, que é de forma
constitucional presumido inocente, sob pena de retrocedermos ao estado de total
arbítrio estatal.
Trata-se
de um princípio manifestado de forma implícita em nosso ordenamento jurídico. O
texto constitucional não declara a inocência do acusado. Contudo, demonstra o
fato de ele não ser necessariamente o possuidor da culpa pela prática do fato
que lhe é imputado.
Conforme se pode perceber, o princípio
constitucional da presunção de inocência torna-se um dos mais importantes e
intrigantes institutos do nosso ordenamento jurídico.
Sob a égide
dessa norma, o acusado de cometer uma infração penal pode ser protegido contra
uma provável sanção penal de forma antecipada. Isto é, ser apenado pela prática
de um delito sem aos menos um julgamento justo, conforme o devido processo
legal e fundamentado no contraditório e na ampla defesa.
Todavia,
os princípios constitucionais são instrumentos limitadores do poder estatal. E
garantem a proteção da dignidade da pessoa humana.
O
instituto da inocência presumida é, portanto, garantia fundamental e instituto
essencial ao exercício da jurisdição.
O referido instituto apresenta contornos dogmáticos tais
como sua aplicação apenas aos ilícitos criminais. E todos os que possam ser
ligados a um ilícito penal são beneficiários ativos da garantia constitucional,
sendo o Estado o passivo do direito natural em questão (BATISTI, 2009).
Observa-se a importância do assunto em
questão, uma vez que os princípios constitucionais assumem papel de magna
relevância nos dias atuais, imprescindíveis ao exercício do Estado democrático
de direito e às necessidades sociais de prevenção e repressão da
criminalidade.
1 Precedentes históricos
Bonfim (2009) leciona a respeito dos
precedentes históricos do princípio da presunção de inocência, informando que
tal dispositivo se positivou pela primeira vez no artigo 9º da Declaração do
Direitos do Homem e do Cidadão em data de 26 de agosto de 1.789. Inspirado na
razão iluminista de intelectuais como Voltaire e Rousseau. Posteriormente foi
reafirmado no artigo 26 da Declaração Americana de Direitos e Deveres, em 22 de
maio de 1948. E no artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos , na
Assembléia das Nacões Unidas, em 10 de dezembro do ano de 1948.
Tourinho Filho (2009), em sua obra,
remonta os momentos históricos acerca das ocasiões que culminaram na evolução
do instituto da presunção de inocência:
O princípio remonta o art. 9º. da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão proclamada em Paris em 26-8-1789
e que, por sua vez, deita raízes no movimento filosófico- humanitário chamado
“Iluminismo”, ou Século das Luzes, que teve à frente, dentre outros, o Marques
de Beccaria, Voltaire e Montesquieu, Rousseau. Foi um movimento de ruptura com
a mentalidade da época, em que, além das acusações secretas e torturas, o
acusado era tido com objeto do processo e não tinha nenhuma garantia. Dizia
Bercaria que “a perda da liberdade sendo já uma pena, esta só deve preceder a
condenação na estrita medida que a necessidade o exige” (Dos delitos e das
penas, São Paulo, Atena Ed.,1954, p.106).
Há mais de duzentos anos, ou,
precisamente, no dia 26-8-1979, os franceses, inspirados naquele movimento,
dispuseram da referida Declaração que: “Tout homme étant présumé innocent
jusqu’à cequ’il ait été déclaré coupable; s’ il est jugé indispensable de I’
arrêter, toute rigueur qui ne serait nécessaire pour’s assurer de sá persone,
doit être sévèrement reprimée par la loi” (Todo homem sendo presumidamente
inocente até que seja declerado culpado, sefor indispensável prendê-lo, todo
rigor que não seja necessário para assegurar sua pessoa deve ser severamente
reprimido pela lei).
Mais tarde, em 10-12-1948, a
Assembléia das Nações Unidas, reunida em Paris, repetia essa mesma proclamação.
Aí está o princípio: enquanto não
definitivamente condenado, presume-se o réu inocente (TOURINHO FILHO, 2009, p.
29-30).
Barroso (2010) define que
no Direito contemporâneo, a Constituição passou a ser compreendida como um
sistema aberto de princípios e regras. Que é permeável a valores jurídicos
supra-positivos. Na qual as idéias de justiça e de realização dos direitos
fundamentais desempenham um papel central. Deve-se lembrar que o modelo
jurídico tradicional fora concebido apenas para a aplicação e interpretação de
regras. No entanto, modernamente, prevalece a concepção de que o sistema
jurídico ideal se consubstancia em uma distribuição equilibrada de regras e
princípios. Nos quais as regras desempenham um papel referente à segurança
jurídica.
Ainda explica Barroso (2010)
que os princípios jurídicos, especialmente de natureza constitucional, viveram
um vertiginoso processo de ascensão, que os elevou de uma fonte subsidiária do
Direito, nas hipóteses de lacuna, ao centro do sistema jurídico.
Batisti (2009) esclarece a
respeito do estado de inocência que passado o momento histórico relevante a
qual foi publicizado, sua reiteração transmite a idéia de que é dispensável
buscar significados para seu enunciado, ou mesmo determinar o significado atual,
ou a extensão que deve ser atribuída ao instituto. Talvez esse fato se dê ao
paradoxo de que o instituto parece carregar consigo o próprio significado e
extensão.
Embora tenham se
manifestado resistências ao enunciado, que foi adotado desde logo como um
princípio, hodiernamente não se encontram pessoas, no ramo do Direito,
dispostas a manifestar qualquer oposição a este. Entretanto, no seio da
população assustada pelo crescente aumento da criminalidade não acontece o
mesmo. Pois a própria população associa a criminalidade ao princípio, que junto
a outros princípios estaria a impedir uma política eficiente do Estado para
reprimir ou impedir o crime (BATISTI, 2009).
A Constituição de 1.988
seguindo certa tendência, foi redigida de modo a regrar todos os assuntos de
forma minuciosa, com exceção daqueles que não obtiveram algum consenso, os
quais foram remetidos para a legislação ordinária. Tematicamente, a
Constituição Federal coloca em precedência os princípios fundamentais da
república e os direitos e deveres individuais e coletivos. E pela primeira vez
aparece nas constituições a presunção de inocência. Embora ainda não se
mencione a expressão tradicional "presunção de inocência". Haja vista
ter sido adotado a linguagem inversa:"ninguém será considerado culpado até
o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (BATISTI, 2009).
Sobre a evolução dos direitos e garantias da norma penal
leciona Coelho:
As funções do Direito
Penal, assim, podem ser sintetizadas como, por um lado, o controle social,
através de mecanismos simbólicos de prevenção. Por outro lado, paralela e
paradoxalmente, a garantia do indivíduo frente ao Estado e suas pretensões de
intervir sobre a liberdade individual. É no contraponto entre essas duas faces
da esfera penal que se pode destacar que o Direito Penal contemporâneo caminha
para ser uma esfera jurídica centrada no enaltecimento do ser humano como
referência e razão principal das relações sociais.(COELHO, 2011)
O Direito é dinâmico,
evolui conforme as necessidades sociais. Entretanto jamais podem ser deixados
de lado os direitos inerentes à personalidade do homem, autor e possuidor da
proteção oriunda do ordenamento jurídico. Das normas abstratas que se
concretizam em fatos humanos, que por sua vez são a inspiração da lei.
REFERÊNCIAS
______.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da República Federativa
do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 20 nov. 2011.
BATISTI,
Leonir. Presunção de Inocência.
Apreciação dogmática e nos instrumentos internacionais e constituições do
Brasil e Portugal. Curitiba: Juruá, 2009.
BARROSO,
Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional
Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2.
ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
BONFIM,
Edilson Mougenot. Curso de Processo
Penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
Extraído
do artigo científico " O PRINCÍPIO
DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA COMO GARANTIA PROCESSUAL PENAL" de Rafael
Ferrari
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