RAFAEL FERRARI
Analisando
o espírito da norma constitucional em questão, podemos presumir que a execução
da pena em desfavor do agente deverá ser em função da condenação definitiva. E
sempre após um julgamento com base no devido processo legal.
Nabuco
Filho (2010) ainda ressalta a atuação do princípio da presunção de inocência,
consagrado no texto constitucional, como um mecanismo que coíbe a atuação de
juízos apressados e precipitados.
Leonir
Batisti em lição histórica exprime que em termos penais o que se viu em alguns
momentos foi a manipulação do direito penal como um instrumento de perseguição,
com prisões fundamentadas em boatos, condenações infundadas e baseadas em oportunismo daqueles que manipulavam o poder.
Ocorrendo tais fatos a par de um sistema de penas absurdamente fora do princípio
da dignidade da pessoa humana (BATISTI, 2009).
Observe-se
como, de forma expressa, o texto do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis
e Políticos expõe o instituto de presunção de inocência:
Art. 14.2 Qualquer
pessoa acusada de uma infração penal é de direito presumida inocente até que a
sua culpabilidade tenha sido legalmente estabelecida. (PIDCP, artigo 14.2)
Nabuco Filho (2010) demonstra que o princípio
da presunção de inocência, consagrado na Constituição Federal, de modo
simplificado, exige que alguém somente seja considerado culpado pela prática de
uma infração penal após um processo onde tenha ocorrido um debate dialético. Donde
a acusação demonstra a culpa do acusado e a defesa demonstra a fragilidades dos
argumentos da acusação.
Assim, surge
uma questão de grande valor e importância que diz respeito quanto a capacidade
do ser humano em compreender o fato de poder afirmar a existência de uma verdade,
sendo que a imperfeição humana pode levar a uma interpretação errônea da
realidade. E tais erros conduzem à dissonância entre o juízo que se faz de um
fato, e como este fato foi realmente praticado. Motivo este que levam a
inúmeros erros judiciários com enorme repercussão, nos quais a sociedade tinha
certeza de estar punindo o autor de um fato. No entanto, essas certezas causaram
os maiores erros judiciários (NABUCO FILHO, 2010).
A forma bárbara como foi praticado o delito
certamente choca toda a sociedade e causa o sentimento de uma justiça
distorcida causando nas pessoas o sentimento de necessidade de impor uma pena
ao infrator a ser aplicada de forma mais infame que o delito praticado por ele.
Contudo, este não é o espírito do direito penal brasileiro que proíbe no texto
constitucional penas cruéis ou de morte, salvo em situações de guerra, hipótese
prevista para o uso da pena de morte.
Mesmo que o crime praticado seja considerado
repugnante pela coletividade, este fato não implica que o acusado perderá seus
direitos concedidos pela Constituição Federal. Todavia, o suspeito pela prática
do crime poderá ser considerado inocente ao final da persecução penal. Não pode
ser deixado de lado a hipótese de um erro judiciário. Ou seja, o réu pode ser
condenado pela prática de uma infração penal que não cometeu (NABUCO FILHO,
2010).
Essa hipótese pode ser confirmada em
inúmeros casos noticiados pela mídia. Imagine a quantidade de pessoas que foram
condenadas pela prática de delitos que não cometeram e amargaram o gosto de uma
condenação criminal somente porque o Estado quis mostrar sua força para a
sociedade. E estas pessoas dilaceram a alma clamando por justiça (NABUCO FILHO,
2010).
Ainda conforme o raciocínio apresentado pode
ser observado que não importa se o crime imputado ao réu é um estupro ou o mais
repugnante dos homicídios. Todo acusado tem seu direito à defesa. Pois um autor
de uma grave infração penal não perde seus direitos constitucionais. Mesmo que
o crime seja grave, o acusado pode ser um inocente ( NABUCO FILHO, 2010).
Ainda complementa Nabuco Filho:
Não se pode esquecer
que a história é pródiga em erros judiciários.
Dentre estes, pode
ser lembrado o caso Juan Calas, que foi acusado de ter matado o próprio filho
por enforcamento, em Tolouse, na França, no século XVII. Apesar de jurar
inocência, foi condenado à pena de morte, com suplício na roda. A opinião
pública exultou com sua execução, certa de que ali se fazia justiça. Contudo,
após a sua morte, Voltaire, o filósofo do Iluminismo, assumiu sua defesa e
demonstrou que o filho de Juan Calas se suicidara. Foi, então, Juan Calas
absolvido e sua memória restabelecida.
Nesse, como em tantos
outros casos semelhantes, a opinião pública esteve sempre ao lado do erro
judiciário. E o advogado não parecia para a opinião pública outra coisa senão a
exaltação do próprio crime.
Se
esse foi um exemplo notório de um inocente condenado, não se pode perder de
vista que existem inúmeros casos anônimos de erros judiciários, que jamais
serão conhecidos do público. (NABUCO FILHO, 2010, p.94)
Em análise ao ordenamento jurídico observa-se que o artigo
386 do Código de Processo Penal elenca hipóteses de absolvição do réu. E mais
precisamente na parte final do inciso VI faz alusão ao princípio da inocência
presumida, quando afirma que o juiz absolverá o réu se houver fundada dúvida
sobre a existência do crime. E desta forma consagra este dispositivo
constitucional quando presume a inocência do réu pelo motivo de existirem
dúvidas sobre a existência da ação delituosa imputada ao mesmo.
Neste prisma leciona Nucci:
Outro
ponto inédito, que, embora fosse desnecessário, não deixa de ser bem vindo, é a
expressa menção quanto à dúvida: “se houver fundada dúvida quanto a sua
existência”(parte final do inciso VII). Atendendo-se ao princípio da presunção
de inocência, constitucionalmente previsto, outra não poderia ser a
conclusão. (NUCCI , 2009, p.688-689)
Pode-se destacar a ampla utilização do princípio
constitucional analisado no corpo de diplomas legais e entendimento de tribunais,
quando do julgamento de práticas de infrações penais que garantem a aplicação
da justiça em sua forma mais transparente e justa.
A presunção de inocência do acusado é um instituto
largamente garantido nos países democráticos, e está previsto no artigo 11 da
Declaração universal dos Direitos Humanos (1.948), dando um basta à tortura e
às provas ilegais. Este fato assegura que o acusado não tratado como culpado ate
sentença penal condenatória (D' URSO, 2011).
A manutenção do instituto da presunção de inocência
preserva o equilíbrio que deve nortear a relação entre o Estado-juiz e o cidadão
em uma relação processual, porque a culpabilidade ou a inocência do acusado
será verificada por meio de provas durante a instrução processual (D' URSO,
2011).
Contudo, não se pode deixar de lado que os antecedentes
do acusado podem ser usados para a fixação de sua pena quando da condenação.
Podendo ser empregados como parâmetros os antecedentes, a conduta social, e a
personalidade do agente dentre outros. Este comando normativo está previsto no
artigo 59 do Código Penal e não poderá ser considerado afronta ao princípio em
estudo. Veja um julgamento de habeas corpus pelo STF:
EMENTA:
HABEAS-CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. INQUÉRITOS. ANTECEDENTES
CRIMINAIS. EXASPERAÇÃO DA PENA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA INOCÊNCIA
PRESUMIDA. 1. Folha criminal: existência de inquéritos e procedimentos por
desacato e receptação. Maus antecedentes. Exasperação da pena. 2. Compreende-se
no poder discricionário do juiz a avaliação, para efeito de exacerbação da
pena, a existência de inquéritos sobre o mesmo fato imputado e outros
procedimentos relativos a desacato e receptação, que caracterizem maus
antecedentes. 3. Dentre as circunstâncias previstas na lei penal (CP, artigo
59) para a fixação da pena incluem-se aqueles pertinentes aos antecedentes
criminais do agente, não se constituindo o seu aumento violação ao princípio da
inocência presumida (CF, artigo 5º, LVII). Habeas-corpus indeferido.(STF. HC 81759 SP Relator Maurício Corrêa DJ 25/03/2002)
Ainda deve ser considerado que mesmo após o julgamento do
réu, sua condenação não importará em presunção de sua culpabilidade antes de
transitar em julgado a decisão. Estamos diante do já consagrado princípio do
duplo grau de jurisdição, um dos garantidores do estado de inocência.
Como forma de garantir o estado de inocência daquele que
recorre de uma sentença desfavorável pode-se observar o artigo 596 do Código de
Processo Penal onde expressa o fato de a apelação da sentença absolutória não
impedir que o réu seja posto imediatamente em liberdade. A colocação do réu em
liberdade deverá ser conforme previsão
legal. Noutro giro, nota-se uma aparente falha no artigo antecedente ao
dispositivo normativo citado. O artigo 595 do Código de Processo Penal menciona
que se o réu condenado fugir depois de haver apelado, será declarada deserta
sua apelação. Isto é, o recurso não será conhecido para seu posteriormente ser
provido pelo juízo ad quem.
Entretanto há de se destacar o fato de esse artigo não
ser aplicável por força da súmula 347 do Superior Tribunal de Justiça. Pois
seria uma afronta aos direitos constitucionais aceitar como fundamento da
impossibilidade de julgamento do recurso interposto pelo réu o motivo de sua
fuga. Conforme disposto na súmula em questão:
Súmula 347. O
conhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão
Todavia, poderá existir a necessidade de manter o réu
preso aguardando o julgamento de seu recurso de apelação de uma sentença
condenatória proferida pelo juízo competente. Obviamente essa prisão será
fundamentada no ordenamento jurídico não contrariando princípios fundamentais
previstos no texto constitucional, cuja legalidade da decisão já foi
demonstrada neste estudo na abordagem sobre a questão da prisão preventiva face
ao princípio da presunção de inocência. Neste sentido a súmula de número nove
editada pelo Superior Tribunal de Justiça:
Súmula 9. A exigência
da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da
presunção de inocência.
Importante é lembrar que os recursos nasceram com o
escopo de diminuírem, o quanto possível, a margem de erros oriundos do poder
judiciário. Sendo garantido a revisão de tais decisões. Pois a justiça dos
homens pode falhar, assim como o homem é falível (D' URSO, 2011).
CONCLUSÃO
Vivemos em um Estado Democrático de Direito onde as
garantias constitucionais são verdadeiras limitações constitucionais ao poder
estatal. O poder público é regido por normas editadas e aprovadas pelo Poder Legislativo.
Este, por sua vez, é eleito pelo povo, que os colocam como seus representantes
através de seu exercício de cidadania: o voto. Esta situação fortalece a
democracia onde o poder emana do povo que é exercido por meio de seus
representantes.
Entretanto, esse poder deve ser delimitado pelos
princípios elencados no texto constitucional. As normas devem obedecer a esses
fundamentos. E, por sua vez, os órgãos responsáveis por decidir questões de
conflito são obrigados a seguir tais princípios. O exercício de uma justiça eficiente e eficaz
depende do importante papel dos preceitos constitucionais distribuídos por todo
o texto legal. Em especial o princípio da presunção de inocência, que garante o
afastamento da existências de possíveis arbitrariedades do poder público em
busca de uma reposta para a sociedade.
A aplicação do pensamento contido na hipótese de
inocência do acusado pela prática de uma infração penal reduz a possibilidade
do exercício de uma justiça leviana. O magistrado não pode deixar-se contaminar
pela ignorância e princípios equivocados de justiça por vezes difundidos pela
mídia e formadores da opinião pública. O Estado juiz deve ser técnico quando da
análise de um fato para ser justo e aplicar a norma jurídica conforme seu
espírito, e desta maneira expressar a vontade popular que foi positivada por
meio de seus representantes.
O Estado é o legítimo possuidor do direito ao uso da
força. Este poder deve ser utilizado em favor da sociedade, pois quando a força
é praticada em desconforme com o justo ela torna-se violência. E, por sua vez,
a violência é um ato ilícito, sendo prejudicial ao exercício do Estado
Democrático de Direito.
A prisão de um suspeito deve ser realizada de acordo com
a lei. A privação da liberdade não pode ser encarada como uma demonstração de
poder, ou um arbítrio do poder público com objetivo de demonstrar sua força
coercitiva. O direito à liberdade é também uma garantia constitucional. É um
direito indisponível. Jamais pode ser admitido tal pena corporal para
satisfazer a opinião pública e promover a imagem do poder estatal.
O princípio constitucional em estudo tem por escopo
evitar a aplicação apressada e irresponsável da justiça. O homem tem o direito
a vida, a liberdade, a existência de forma digna e a correta aplicação da
justiça.
É uma das mais importantes garantias previstas na
Constituição, onde o acusado pela prática de uma infração penal deixa de ser um
simples componente de uma relação jurídica processual e torna-se um sujeito
detentor de direitos e garantias. Deste princípio, vários outros surgem em
favor do réu. Tais como o contraditório, a ampla defesa, o devido processo
legal dentre outros.
O princípio em questão não afirma o fato de o culpado
pela prática de uma infração penal ser inocente e não poder sofrer o julgamento
através dos órgãos estatais. Este dispositivo constitucional apenas expressa o
fato de que ninguém poderá ser considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória. Ou seja, depois de ser julgado através de um
devido processo legal sendo asseguradas todas as garantias constitucionais. Ela
é um remédio contra o arbítrio do Estado e a aplicação injusta da justiça.
A essência da justiça não é apoiar atitudes que
desrespeitam os valores da dignidade da pessoa humana que por muitas vezes são
perpetradas por nossos próprios semelhantes que buscam apenas seus objetivos em
detrimento dos valores humanos. O direito existe para equilibrar as relações
interpessoais e tornar agradável a vida de todos.
REFERÊNCIAS
______.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da República Federativa
do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 20 nov. 2011.
______.
Decreto-lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940. Institui o Código Penal.
______.
Decreto-lei nº 3.689 de 03 de outubro de 1941. Institui o Código de Processo
Penal.
______.
Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: < http://www.stj.gov.br/>.
Acesso em: 4 maio 2011.
______.
Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/>. Acesso
em: 4 maio 2011.
BATISTI,
Leonir. Presunção de Inocência.
Apreciação dogmática e nos instrumentos internacionais e constituições do
Brasil e Portugal. Curitiba: Juruá, 2009.
FERREIRA,
Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário
da língua portuguesa. 7. ed. Curitiba: Positivo, 2009.
JUS BRASIL. STF - HABEAS CORPUS: HC 81759 SP. Disponível em: <
http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/775030/habeas-corpus-hc-81759-sp-stf>.
Acesso em: 25 set 2011
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